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Foto: Vista da Prainha, na Zona Oeste do Rio de Janeiro,
em abril de 2011. Autor: Maria Carlota Rosa.
Ficaram para trás os tempos em que o chato das férias era escrever de 20 a 30 linhas sobre “Minhas Férias” … na volta às aulas. Mais velhos, nas férias havia tempo para ver filmes, ler romances, ir ao teatro — sem ter de escrever um trabalho acadêmico sobre cada obra. Já nos tempos de streaming, 10 horas seguidas daquela série fantástica (Ops! Binge-watching faz mal!).
Também ficaram para trás os fins de semana sem qualquer conexão com o trabalho, apesar do cansaço acumulado na semana de trabalho, cujos dias começam cada vez mais cedo (vale lembrar que ainda se soma à quantidade de tarefas o trânsito caótico) e ultrapassam em muito a meia-noite — basta atentar para os horários de envio de muitas das mensagens de trabalho que chegam às nossas caixas postais virtuais.
E qual o resultado disso?
Há 17 anos o professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/IBqM) Leopoldo de Meis (1938-2014) e colegas tentavam responder a essa pergunta com dados sobre ensino e pesquisa no país, focalizando as consequências desse estado de coisas num departamento da UFRJ. Entrevistas com pós-graduandos, pós-doutores e professores sobre as condições de trabalho resultaram em The growing competition in Brazilian science: rites of passage, stress and burnout. A síndrome de burnout começava a ser uma conhecida no nosso meio acadêmico. A UFRJ estaria também em Burnout e fatores associados em docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2016). Em Prevalência e fatores de risco do burnout nos docentes universitários (2018) , Lima Filha & Morais traçariam uma revisão sistemática da literatura sobre o tema.
O dia que precisa de ter mais de 24 horas
Em dezembro de 2019 The BMJ (The British Medical Journal) publicou o resultado de uma pesquisa cujo título reflete uma realidade que soa familiar para quem vivencia o mundo acadêmico atual: Working 9 to 5, not the way to make an academic living: observational analysis of manuscript and peer review submissions over time [‘Trabalhar de 9 às 5 não é a maneira de fazer uma vida acadêmica: análise observacional das submissões de manuscritos e revisão por pares ao longo do tempo‘]. A análise de Barnett, Mewburn & Schroter teve como corpus 49.464 submissões de manuscritos e de 76.678 peer reviews (contada a primeira submissão apenas) enviadas por meio de uma plataforma online a dois importantes periódicos da área médica (a própria The BMJ e The BMJ Open) ao longo de 2.651 dias, isto é, de 1º de janeiro de 2012 a 5 de abril de 2019. Ou seja: apenas uma pequena fração das tarefas do cotidiano e num universo bem restrito.
O estudo revela diferentes culturas em diferentes países: China e Japão tiveram as maiores probabilidades de submissão de manuscritos e peer reviews já na madrugada. Embora bem abaixo desses índices, o Brasil aparece com alta probabilidade perto da meia-noite. Por outro lado, para a Dinamarca a chance maior é de que a submissão se faça em meio ao expediente.
Ansiedade e depressão: comuns entre pesquisadores
A preocupação com o quadro de exaustão entre pesquisadores fez com que a Scielo divulgasse a solicitação para que pesquisadores respondessem a uma pesquisa organizada pela Editage Insights sobre como se sentem no ambiente de trabalho. Quem quiser participar: surveymonkey.com/r/cactus-mental-health-survey-SciELO?lang=pt_BR …
A chamada para a pesquisa aponta para a probabilidade seis vezes maior de pesquisadores apresentarem quadro de ansiedade e depressão do que o restante da população.
Barnett, Adrian; Mewburn, Inger & Schroter, Sara. 2019. Working 9 to 5, not the way to make an academic living: observational analysis of manuscript and peer review
submissions over time. BMJ 2019;367:l6460 . doi: https://doi.org/10.1136/bmj.l6460
Borges, Rosimar Souza & Lauxen, Iarani Galucio. 2016. Burnout e fatores associados em docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Saúde em Redes, 2 (1): 97-116. https://doi.org/10.18310/2446-4813.2016v2n1p97-116
De Meis, Leopoldo; Velloso, A.; Lannes, D.; Carmo, M.S. & de Meis, C. 2003. The growing competition in Brazilian science: rites of passage, stress and burnout. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 36(9), 1135-1141. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-879X2003000900001
Lima Filha, Cleide do Nascimento Monteiro Borges & Morais, André Novais. 2018. Prevalência e fatores de risco do burnout nos docentes universitários. Revista Contemporânea de Educação, 13 (27): 453-471. maio/ago. 2018.
https://doi.org/10.20500/rce.v13i26.12277
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Que texto incrível, Professora!
Espero que o semestre seja leve, que ninguém adoeça com a loucura do dia a dia e que as próximas férias sejam, assim como esse texto, um doce presente nas nossas vidas!
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Obrigada, Manoela. Mas acho impossível. Quando mudamos para o Fundão eu gastava 15 min para ir e outros 15 para voltar para casa. Agora, quase 1h para ir e perto de hora e meia para voltar. Nem o Fundão mudou de lugar nem eu.
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É lamentável mesmo. O trânsito é caótico!!
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