Começando a olhar para a diversidade linguística: língua materna, primeira língua, segunda língua, língua nativa…

Maria Carlota Rosa UFRJ – Linguística 1-2020-1

Em Linguística, têm uso constante várias expressões formadas com a palavra língua e um modificador. São parte da terminologia da nossa área. Essa terminologia é de especial interesse nas diferentes licenciaturas e bacharelados em Letras — e talvez o aspecto voltado para o ensino de línguas seja aquele que percebemos com mais frequência.

Essa terminologia nos remete também a um mundo em que o comum é o uso de mais de uma língua na vida diária, em que questões sociolinguísticas relevantes, decorrentes do contato linguístico, afetam as atitudes dos falantes em relações a línguas minoritárias e a línguas dominantes. As implicações sociais são muitas, em especial em âmbitos como educação e trabalho.

Um dos fatores na base do contato linguístico são as migrações. O tema ganhou contornos dramáticos com a crise de refugiados a que estamos assistindo. Segundo a UNESCO/ Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/, são atualmente 25,4 milhões de refugiados em todo o mundo. Se juntarmos os deslocados — aqueles que também estão fugindo, mas permanecem dentro das fronteiras de seu país — então somamos àquele número mais 40 milhões de pessoas deslocadas em 67 países no mundo, sendo 52% delas, crianças, segundo os Médicos Sem Fronteiras.

Língua materna, língua nativa, primeira língua, L1

Em geral língua materna, língua nativa, primeira língua e L1 são empregados como termos equivalentes, especialmente quando se tem em mente uma comunidade monolíngue.

A complexidade linguística da comunidade em estudo pode, porém, requerer do linguista mais detalhamento e, na medida em que cada um desses termos privilegia um aspecto diferente, levá-lo a salientar alguma diferença de significado entre essas expressões. É a língua do grupo familiar? É a língua da identidade cultural? É a língua que foi aprendida primeiro? Para a maioria dos falantes cariocas, por exemplo, as três perguntas teriam a mesma resposta. Mas a maior parte do mundo não é monolíngue.

A língua materna é a  língua que a criança adquire primeiro porque é usada em casa — num ambiente monolíngue, é a única.

E se os pais tiverem línguas maternas diferentes e cada um deles se dirigir a essa criança na sua língua materna? Ela vai adquirir duas línguas simultaneamente e terá duas línguas maternas.

Davies & Bentahila (1989: 273) chamam a atenção para o significado a atribuir a língua falada pela mãe, restringindo-o ao uso linguístico espontâneo e na intimidade familiar na interação com a criança. Ficariam de fora do conceito de língua materna:

  • uma língua que a família fala às vezes com a criança com fins educacionais;
  • uma língua que a família fala com a criança apenas quando fora de casa;
  • quaisquer línguas que a mãe (e podemos incluir o outros membros desse grupo familiar) fale no trabalho .

A língua nativa é aquela que o indivíduo percebe como a que o marca como membro de uma comunidade, de uma cultura.

Na perspectiva do falante em contextos multilíngues, a língua nativa pode não ser a  língua materna, como nos exemplos reportados por Davies & Bentahila (1989): entre seus informantes havia indivíduos que em família empregavam árabe marroquino e/ou francês, mas consideravam o hebraico — em que não tinham fluência — sua língua nativa porque eram judeus, o mesmo acontecendo com indivíduos que consideravam o berbere como sua língua nativa embora não a falassem, mas porque era a língua dos ancestrais.

A primeira língua é aquela que se aprendeu primeiro. L1 é uma forma abreviada de referir a primeira língua. Cabe notar, porém, que L1, se é a primeira, pressupõe que há pelo menos mais uma, pressuposto que não está presente nem em língua materna, nem em língua nativa.

Segunda língua, L2, língua estrangeira

L2, por sua vez, é a segunda língua (mas também pode ser a terceira, a quarta… ) aprendida depois da primeira, a L1.

Gass & Selinker (2008) diferenciam aprendizagem de língua estrangeira de aquisição de segunda língua. A diferença leva em conta o contexto em que se aprende. Estudar uma língua que não é a materna — digamos francês — numa sala de aula num país não francófono (no Brasil, por exemplo) estaria no primeiro caso. Aprender uma língua que não é a materna — digamos francês — em Paris é aquisição de segunda língua.

O falante nativo

Conceito que focaliza o conhecimento linguístico perfeito de L1 que qualquer indivíduo, numa situação normal de convívio social, desenvolveu a partir dos primeiros anos de vida. O falante nativo é uma construção teórica que representa o domínio perfeito da língua nativa.

Referências

DAVIES, Eirlys & BENTAHILA, Abdelâli. 1989. On mother and other tongues: The Notion of Possession of a Language. Lingua, 78: 267-293

Gass, Susan M. & Selinker, Larry. 2008. Second language acquisition: An introductory course. 3rd ed. New York/London: Routledge.


Face aos desafios das aulas presenciais na graduação durante a pandemia, comecei a postar neste blogue, a partir de 2 de outubro de 2020, pequenos textos escritos primariamente para minhas turmas de Linguística I, que em geral concentram alunos dos cursos de Grego, Latim, Árabe, Hebraico, Japonês e Russo.. São, por conseguinte, textos voltados para um aluno recém-saído do Ensino Médio, iniciante na Linguística num momento muito difícil na vida de todos.



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