E a palavra “linguística” entrava num dicionário de português. Era 1858.

Antônio de Moraes Silva (1757-1824) faz parte dos nomes de autores a que somos apresentados quando fazemos um histórico das obras sobre o português. Sua importância pode ser medida nas palavras de Telmo dos Santos Verdelho (Universidade de Aveiro; Sócio Correspondente da Academia Brasileira de Letras):

“O Diccionario da Lingua Portugueza de António de Morais Silva, constitui a mais importante referência na história da lexicografia portuguesa. Como dicionário geral da língua, podemos dizer que desencadeou o início da dicionarística monolingue moderna portuguesa. Estabeleceu as origens e deu fundamento a toda a genealogia lexicográfica desenvolvida ao longo dos últimos 200 anos.”

Em 1789 Moraes publicava o Diccionario da língua portugueza composto pelo Padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Siva natural do Rio de Janeiro. Apesar das informações na portada, essa obra era bem diferente daquela de Bluteau, como demonstrou Verdelho (2003). Passaria a Diccionario da lingua portugueza recopilado por António de Moraes Silva nas duas edições seguintes. Apenas na quarta edição, a de 1831, passaria a Diccionario da lingua portugueza composto por António de Moraes Silva (Verdelho, 2003).

Ainda tomando Verdelho como fonte, Moraes foi antonomásia para ‘dicionário’ em Portugal, tal a popularidade e reconhecimento alcançados pela obra. A obra gramatical de Moraes — Epítome da gramática da língua portuguesa (1806) — é bem menos lembrada (Cavaliere, 2006).

Antônio de Moraes Silva nasceu no Rio de Janeiro. Em 1774 partiu para Portugal, para cursar Direito na Universidade de Coimbra (Internet Archive) — afinal, o ensino do Direito no Brasil teria de esperar pela lei que seria sancionada por D. Pedro I em 11 de agosto de 1827 (OAB, 2022), isto é, no século seguinte, já depois da Independência. Moraes Silva não terminaria o curso, porque, condenado pelo Santo Ofício, fugiria para a França e depois, para a Inglaterra (Cavaliere, 2006: 537). Receberia indulto, o que lhe permitiu retornar a Portugal. Voltaria ao Brasil, onde viria falecer em 1824.

É no Moraes que temos o primeiro registro lexicográfico do substantivo português LINGUÍSTICA: surge na edição de 1858, a sexta edição. Essa edição já não tinha a participação de Moraes, falecido décadas antes.

A seguir, o verbete LINGUÍSTICA na edição de 1858 (Fonte: Biblioteca São Clemente da Casa de Rui Barbosa).

Linguística já surge referida como ciência, com método próprio para coleta e tratamento dos dados.

Referências

CAVALIERE, Ricardo. 2006. Antonio de Moraes Silva e os estudos gramaticais do século XVIII. In: THIELEMANN, Werner (ed.) 2006. Século das Luzes. Portugal e Espanha, o Brasil e a Região do Rio da Prata. Frankfurt am Main: TFM. pp. 537-546. https://publications.iai.spk-berlin.de/receive/riai_mods_00002532

INTERNET ARCHIVE/Carlos Fernandes. Só biografias: Antônio de Morais e Silva. https://web.archive.org/web/20160303222910/http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/AntoMSil.html [Textos compilados e digitados pelo Prof. Carlos Fernandes]

OAB/Ordem dos Advogados do Brasil. A história do ensino jurídico no Brasil. 29 de agosto de 2022. https://www.oab.org.br/noticia/60148/a-historia-do-ensino-juridico-no-brasil#:~:text=Em%201827%2C%20teve%20in%C3%ADcio%20a,remonta%20h%C3%A1%20cinco%20anos%20antes.

SILVA, Antonio de Morais. 1858. Diccionario da lingua portugueza. 6. ed., melhor. e acresc. por Agostinho de Mendonça Falcão. Lisboa: Typ. de Antonio José da Rocha, 1858. 2vv. https://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=bibobpub&id=23893003166014&pagfis=11065

VERDELHO, Telmo. 2003. O dicionário de Morais Silva e o início da lexicografia moderna. In História da língua e história da gramática – actas do encontro, Braga, Universidade do Minho / ILCH, 2003. p.473-490. http://clp.dlc.ua.pt/publicacoes/dicionario_morais_silva.pdf


Comecei a postar neste blogue, ainda em 2020, pequenos textos escritos primariamente para as minhas turmas de Linguística I, que em geral concentram alunos dos cursos de Grego, Latim, Árabe, Hebraico, Japonês e Russo. São, por conseguinte, textos voltados para um aluno recém-saído do Ensino Médio, iniciante na Linguística. As citações nas línguas dos cursos desses estudantes, quando presentes, são propositais.

Esta postagem é parte do material para minhas turmas de Fundamentos da Linguística/ Linguística 1 e, como tal, se junta ao livro Uma viagem com a linguística, com acesso aberto nos formatos pdf e epub em https://linguisticamcarlotarosa.wordpress.com/sobre-2/  e aos materiais na aba “Protegido – Acesso Restrito – Graduação” neste site, cuja senha de acesso é divulgada na primeira aula do período.



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