Lembrando o Dia do Professor

Imagem criada com o Adobe Express (https://www.adobe.com/br/express/) em 13/10/2023.

Usei um programa de IA gratuito — o Adobe Express — para gerar a imagem que ilustra este texto. Descrevi o que queria na imagem como “uma aula com alunos atentos” e, dentre as várias opções quase instantâneas geradas, escolhi esta: um ambiente tranquilo e amigável. Aquela tranquilidade nos remete a uma escola em que inexiste a violência (física, psicológica, como o cyberbullying, ou sexual) — nem nela, nem na comunidade em que se insere. Infelizmente essa imagem — a escola tranquila num mundo pacífico — é uma idealização, irreal para boa parte do mundo.

A “escola agressiva” já foi caracterizada linguisticamente por Maria Cecília Mollica e colegas (2020: 18-19):

Esses alunos comumente se envolvem em situações de conflito, em especial na convivência que estabelecem no cotidiano escolar, utilizando opiniões com o objetivo de atingir linguisticamente o outro com atributos positivos ou negativos. A linguagem da escola agressiva e em conflito, em que os alunos travam disputas e se confrontam em atitudes, brigam por traços identitários, negam as diferenças e repudiam as características dos colegas, é identificada como um discurso com alta taxa de subjetividade.”

A agressividade linguística vale, certamente, para além-muros.

Episódios de violência dentro do ambiente escolar também existiram no passado —- e Cassiano de Ímola (fl. IV d.C.) é um exemplo sempre lembrado —- mas que fazer quando um relatório de uma escola informa que “na maioria dos dias letivos, há ocorrências policiais dentro e fora da escola“? Que fazer quando a escola é sentida como hostil pelos alunos, pelo corpo docente e pelo corpo técnico-pedagógico, quando os alunos não gostam da maioria dos colegas, nem da maioria dos professores, nem gostam do espaço físico (Abramovay & Rua, 2003)? Embora se associe a escola ao estudante ainda criança ou adolescente, a violência afeta também aqueles que, já adultos, decidem estudar (Abreu & Rosa, 2021).

Fora do Brasil ou aqui, a violência está também no entorno da escola, ambiente de risco, como já reconheceu a UNICEF (Una lección diaria: Acabar con la violencia en las escuelas #ENDViolence):

“La mitad de los estudiantes de 13 a 15 años de todo el mundo, cerca de 150 millones, declaran haber sufrido violencia entre compañeros en la escuela y sus alrededores”.

“las aulas pueden resultar tan inseguras como sus comunidades. Las rutas de acceso a la escuela y de regreso a casa se convierten en frentes de batalla. Y las actividades educativas se interrumpen cuando las escuelas se requisan para fines militares o para alojar a los heridos o desplazados”.

O entorno de risco envolve muita coisa: as brigas entre grupos de alunos, os assaltos (especialmente quem já deu aula à noite conhece a angústia para “sair mais cedo”), mas também os tiroteios. Esta é a parte mais grave, a ponto de a ONU chamar a atenção para o tema marcando 9 de setembro como o Dia Internacional para Proteger a Educação de Ataques.

Engana-se quem pensa que estamos falando de situações de guerra apenas. O Rio de Janeiro é uma das cidades brasileiras em que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) desenvolve o Programa Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais (AMS):

O AMS é uma metodologia de gestão de riscos adaptada pelo CICV para prevenir, reduzir e mitigar as consequências da violência armada sobre os serviços de educação e saúde. O programa contempla as escolas, crianças, adolescentes, famílias e profissionais de comunidades selecionadas em sete cidades brasileiras: Fortaleza, Vila Velha, Duque de Caxias, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Florianópolis.”

Protocolos de gestão de risco. Os tiros começaram antes do início do turno? Qual o papel de cada um quando os tiros voam durante o turno? E se a confusão se estabelece no horário de saída? Os botijões de gás estão em área protegida das balas? “Professores de escolas situadas em áreas de risco passarão por um curso de proteção para situações de guerra“, informava a Prefeitura do Rio de Janeiro em 2017. 

Não se trata apenas de uma sensação de insegurança: de janeiro a junho de 2023 o Instituto Fogo Cruzado contabilizava, no Grande Rio, 460 tiroteios perto de escolas. No cotidiano, esse estado de coisas leva, de imediato, ao fechamento de escolas; menos imediatamente, à dificuldade em conseguir professores para o trabalho em unidades escolares nas áreas onde mais conflitos ocorrem e à evasão escolar. E o ensino remoto surge como socorro emergencial, em locais onde grupos criminosos controlam o acesso à internet.

Um dos resultados de tudo isso no tocante à profissão de professor? “Brasil pode enfrentar ‘apagão de professores’ em 2040, diz pesquisa: Desinteresse dos jovens pelas carreiras de licenciatura, envelhecimento do corpo docente e abandono da profissão contribuem para que, daqui a menos de duas décadas, faltem 235 mil professores na educação básica, prevê Instituto Semesp.”

A escola não é um mundo à parte. Um professor sozinho não tem como mudar esse mundo hostil. Mas continuamos querendo que aquela sala de aula gerada por IA e que ilustra esta postagem seja real e possível para todos.


Referências

ABRAMOVAY, Miriam & RUA, Maria das Graças. 2003. Violência nas escolas. Versão resumida. Brasíli:UNESCO Brasil. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000133967_por

ABREU,Kátia & ROSA, Maria Carlota. 2021. A alfabetização de idosos: um tema urgente no Brasil. São Paulo: Parábola.

AGÊNCIA BRASIL. Grande Rio teve 460 tiroteios perto de escolas este ano. Confrontos armados afetam 725 escolas da região metropolitana. 06/06/2023. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-06/grande-rio-teve-460-tiroteios-perto-de-escolas-este-ano

CICV/COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Brasil: é preciso e possível proteger as escolas de ataques. 8Set2022. https://www.icrc.org/pt/document/brasil-e-preciso-e-possivel-proteger-escolas-de-ataques

CICV/COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais – Resumo Executivo. 11Abr2023. https://www.icrc.org/pt/publication/acesso-mais-seguro-para-servicos-publicos-essenciais-resumo-executivo

G1. Brasil pode enfrentar ‘apagão de professores’ em 2040, diz pesquisa. 29/09/2022. https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/09/29/brasil-pode-enfrentar-apagao-de-professores-em-2040-diz-pesquisa.ghtml

MOLLICA, Maria Cecília et alii. 2020. Do analfabetismo à violência: contribuições da ciência da linguagem. São Paulo: Contexto.

NAÇÕES UNIDAS. ONU NEWS. Dia Internacional para Proteger a Educação de Ataques aponta piora global. 9Set2023. https://news.un.org/pt/story/2023/09/1820137

RIO. PREFEITURA. Cruz Vermelha começa a treinar professores da rede municipal de ensino no mês de julho. 14/06/2017. https://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=7094721

UNICEF. 2018. An Everyday Lesson: #ENDviolence in Schools. https://www.unicef.org/documents/everyday-lesson-endviolence-schools


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4 comentários sobre “Lembrando o Dia do Professor

  1. Bom dia!, muito querida Professora Maria Carlota no seu/nosso dia! Acabo de ler a sua publicação de hj e aplaudo vivamente. Corajoso, limpo, sério e íntegro como vc! Merece divulgação ampla. Sublinho suas palavras de denúncia sobre o estado de coisas em q vivemos desde longa data. E a cada momento (nem dia, nem hora) recrudesce. Sempre vivamente atenta, vc grita com as palavras escritas. Aceite meu abraço solidário e triste, embora feliz por ter conhecido vc, já destemida, na sua graduação e minha aluna (lá se vai um tempo) de FundIber/FundPort, ainda na Av. Chile. Com a coragem e o saber, sempre! Terezinha

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    1. Minha sempre Professora Terezinha Val. Só hoje vi sua mensagem e no momento em que acabo de ouvir a notícia de mais um ataque armado dentro de uma escola paulista. Muito obrigada pelas palavras tão elogiosas. Também eu vejo tudo isso com tristeza. Grande abraço.

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  2. Feliz Dia do Professor para a senhora e todos que frequentam seu blog!
    Que possamos ter sempre um ambiente tranquilo e amigável nos espaços de Educação!

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