O feiticeiro e o feitiço

A procura de atalhos para o TCC (ou para a dissertação, ou para a tese)

Para concluir o curso de Letras na UFRJ, um aluno tem de fazer uma monografia ou trabalho de conclusão de curso, em geral referido como TCC. Em Letras como em outros cursos, na UFRJ como em outras instituições de ensino superior, há quem procure simplificar o processo; afinal, para que se perderia tempo com leituras, experimentos, com reuniões com o orientador, milhentas reescritas e consertos, se é possível comprar um trabalho? Bastaria pagar e as preocupações estariam terceirizadas.

A quantidade de endereços na internet de firmas que vendem monografias de qualquer área com entrega prometida em alguns dias ou semanas demonstra que esse é um mercado aquecido, embora ilegal, como já notara a OAB/ Ordem dos Advogados do Brasil em documento de 2010. A propaganda promete até que o trabalho estará livre de plágio, mas por um valor um tanto mais alto. E há ainda promessas de sigilo e confidencialidade; afinal, como ressalta o documento da OAB, ao depositar esse material na universidade para a conclusão de um curso, o concluinte estará apresentando um documento falso.

Vamos lá: quem poderia ter como emprego o desenvolvimento completo e simultâneo de vários projetos (no plural), em várias áreas de conhecimento, em poucos dias? Um especialista? Especialista em quê exatamente?

“Paguei para que um ESPECIALISTA o [o TCC] fizesse para ser mais rápido e mais elaborado. Todas as vezes que o trabalho voltava do orientador era que o tcc estava total plagiado.”

“eles entregam pra mim o mesmo trabalho que entregaram para vários alunos, pois a universidade me deu um feedback falando exatamente isso [….] E quando vamos contratar eles nos prometem trabalhos 100% originais autorais livres de plágio”.

E se fosse de fato um especialista na área que viesse a escrever o TCC? Possivelmente não haveria cópia do texto ou dos achados de outros pesquisadores, mas um problema continuaria presente: alguém receberia nota e créditos por algo que não fez.

As muitas reclamações expostas na internet indicam haver a percepção disseminada de que o plágio é algo que não se deve fazer; por outro lado, a compra de um trabalho para nota não parece ser encarada nem como má conduta acadêmica, menos ainda como ilegal. Os reclamantes se eximem de qualquer responsabilidade, porque, para eles, se houve algo errado foi o plágio, cuja culpa deveria ser imputada ao escritor fantasma que não cumpriu o que fora contratado.

A procura de atalhos para a publicação de artigos

A revista Pesquisa FAPESP de 16 de novembro de 2022 tocava num tema semelhante: as fábricas de artigos (ou papermills), “serviços ilegais que produzem trabalhos científicos sob demanda, frequentemente com dados falsos”. O tema surgia em meio a uma denúncia que levara uma das famosas revistas da editora Elsevier a retratar 47 artigos.


Ter o nome num trabalho significa que nos responsabilizamos pelo que está nele. Pode ser um artigo, um TCC, uma tese. Se o trabalho entregue é resultante do esforço não de quem o assina como autor, mas do esforço de outra pessoa — seja ela um amigo especialista no tema que escreve um trabalho original ou uma firma que pode até mesmo vender o mesmo trabalho para muitos clientes — em termos acadêmicos estamos diante de um caso de má conduta.

Pode haver consequências além do gasto de dinheiro? Sim, a começar por uma reprovação no curso, ou por uma retratação de trabalho publicado.


2022: A pandemia não acabou

Autoria não é presente

E se você descobrisse por um aviso automático do Research Gate, do Academia.edu, ou do Google que acaba de publicar um artigo e que sequer conhece o(s) coautor(es) do artigo?

Embora a pressão para publicar seja grande, ver o próprio nome num trabalho em que não  se teve participação e de que sequer se teve notícia não terá como reação um sorridente  “obrigada”. Muito pelo contrário.

É ingênua — para dizer o mínimo — a ideia de que somar ao lado do próprio nome um nome de destaque na área implica: (a) o aceite do trabalho; (b) mais uma linha no próprio lattes; (c) a felicidade do “agraciado” com um artigo sem gasto de tempo;  e (d) nenhuma consequência acadêmica e/ou profissional.

A reação pode vir em muitas etapas, dentro e fora da instituição. Uma delas é a comunicação do fato aos editores, e a quase certa retratação do trabalho. 

E o que seria uma linha a mais no lattes pode-se tornar o início da investigação sobre más práticas em todos os  trabalhos anteriormente publicados pelo pesquisador.

O “agraciado” leva o caso ao conhecimento dos editores porque é um mal-agradecido? Não fazê-lo o colocaria como cúmplice numa fraude. Tem de reagir à má conduta do autor de fato segundo as diretrizes de ética e integridade acadêmica — da instituição ou de fora dela.

Para exemplo de um caso recente, ver Wait, how did my name end up on that paper?, de Adam Marcus.

Referências

MARCUS, Adam. 2020. Wait, how did my name end up on that paper? Retraction Watch, 31Ag2020. https://retractionwatch.com/2020/08/31/wait-how-did-my-name-end-up-on-that-paper/

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De novo a questão da autoria: autor ou colaborador?

Tempo de leitura: 2 min

Em 2019 a Revista da ABRALIN/ Associação Brasileira de Linguística anunciava a adoção da ferramenta CRediT/ Taxonomia da Função de Contribuidor (Contributor Role Taxonomy), da  CASRAI / Consortia Advancing Standards in Research Administration Information, deixando assim de lado o autor e trazendo para a cena o colaborador.

Ao divulgar aquele informe em setembro de 2019 (A Revista da ABRALIN adota a taxonomia CRediT/Contributor Roles Taxonomy (Taxonomia das Funções do Colaborador) chamei a atenção para o fato de  o autor único ainda ser comum na Linguística, o que se reflete nas instruções para a submissão de trabalhos de várias publicações brasileiras e que seria interessante acompanhar a implantação desse modelo na área da Linguística brasileira.

A edição de janeiro de 2020 do Scielo em Perspectiva trouxe algumas considerações sobre a nova ferramenta, num artigo de Elizabeth Gadd. Uma delas é que o modelo não foi pensado para a Artes e Humanidades. E se para a Linguística a figura do autor único ainda não morreu, há que concordar com Gadd que “nomear um único autor como “contribuidor” parece totalmente inapropriado”. Para Gadd, outras questões ultrapassam uma possível inadequação na descrição do papel do único responsável por um trabalho acadêmico.

Uma dessas questões é a linha que separa quem contribui com uma pesquisa e quem é autor num artigo. Em termos legais, quando da publicação de um artigo, o autor correspondente transfere os direitos de publicação; se é apenas um dos contribuidores, deixa de poder assumir esse papel.

Gadd levanta uma questão mais grave:

É claro que nossa obsessão interminável com crédito baseado em publicações inevitavelmente levará alguns a fazer uso do CRediT para avaliações de pesquisa ostensivamente mais justas. Sabemos que fazer uma citação em um artigo no qual você foi o 1.000º autor não pode significar a mesma coisa que fazer uma citação em um artigo no qual você foi o único autor. A Clarivate argumentou recentemente que, com o aumento de artigos de hiperautoria, o fracionamento de citações deve se tornar a norma. Faz sentido. Como é natural, então, começar a ponderar citações com base na função real que você desempenhou em um artigo?

……………………………….

Não tenho certeza de que haja alguma maneira de mitigar os piores efeitos disso. E estou particularmente preocupada porque, é claro, os dados subjacentes do CRediT necessários para executar estas análises serão coletados e pertencerão aos publishers. Observo no site do CASRAI que eles procuram “garantir que o CRediT esteja vinculado ao ORCID e incluído na captura de metadados do Crossref“. Mas nem todos os metadados ingeridos pelo Crossref estão disponíveis abertamente. E o maior publisher de periódicos do mundo, que recentemente anunciou a adoção do CRediT por 1.200 de seus periódicos, de maneira infame, não coopera com serviços de citação abertos.


GADD, Elizabeth. 2020. Verificação CRediT – Devemos adotar ferramentas para diferenciar as contribuições em trabalhos acadêmicos? [Publicado originalmente no LSE Impact Blog em janeiro/2020] [online]. SciELO em Perspectiva, 2020  Available from: https://blog.scielo.org/blog/2020/01/23/devemos-adotar-ferramentas-para-diferenciar-as-contribuicoes-em-trabalhos-academicos/

 


Lattes e ORCID

Em 2016 a plataforma para preenchimento do currículo Lattes passou a permitir a inclusão da identificação ORCID/ Open Researcher Identifier (Identificador Aberto para Pesquisadores), embora a inclusão do número na página do Lattes não remetesse para a página no ORCID.

Em maio de 2018 a inclusão desse identificador no Lattes se tornou impossível: não se conseguia validar o número e surgia a mensagem “Não foi possível verificar o identificador ORCID. Tente mais tarde” .

Agora é novamente possível fazer a inclusão do identificador e, ao clicar nele, abre-se a página de autor no ORCID. Para conseguir essa ligação:

  1. Fazer um registo  ORCID: https://orcid.org/register.
  2. Entrar na página da Plataforma Lattes do CNPq: http://lattes.cnpq.br/;
  3. Entrar em “Atualizar currículo”;
  4. Entrar em “Dados Gerais”/”Identificação”/ “Outros Identificadores” e inserir o número.

 

 


A Revista da ABRALIN adota a taxonomia CRediT/Contributor Roles Taxonomy (Taxonomia das Funções do Colaborador)

Em agosto de 2018 informávamos da adoção da taxonomia CRediT pela Scielo (Quem é o autor do trabalho afinal? Decisões sobre coautoria). Não obstante o número de autores por artigo em Linguística no Brasil estar, em geral,  em torno de dois ou três e de algumas revistas da área ainda trazerem instruções que remetem ao autor único, agora é a vez da revista da ABRALIN/ Associação Brasileira de Linguística adotar o CRediT .

Os trabalhos com mais de um autor submetidos à Revista da ABRALIN deverão indicar a atribuição dos seguintes papeis:  Conceptualização –  Curadoria de Dados –  Análise Formal – Aquisição de Financiamento – Investigação – Metodologia –  Administração do Projeto –  Recursos – Software –  Supervisão –   Validação –   Visualização –  Escrita –  Escrita 

Sai o autor, entra em cena o colaborador

Como recentemente apontou Alex Holcombe, a atribuição de autoria em muitos periódicos leva em conta a definição de autor do ICMJE/ International Committee of Medical Journal Editors que não tem lugar para muitos tipos de colaboração necessários ao desenvolvimento de pesquisas.

No caso da Revista da ABRALIN, a inovação no estabelecimento da autoria/colaboração vem juntar-se à revisão por pares aberta, anunciada recentemente e os dados abertos. Será muito interessante, portanto, acompanhar a implantação desse modelo na área da Linguística brasileira.

Informações: http://www.abralin.org/circulares/rabralin/CRediT.pdf

Holcombe, Alex. 2019. Farewell authors, hello contributors. Nature 571, 147 (05Jul2019)  https://www.nature.com/articles/d41586-019-02084-8


Citações e referências: posso citar a mim mesm@?

Eu ainda estava no Doutorado e numa conversa com o saudoso Carlos Franchi (1932-2001) no prédio da Praia Vermelha — onde tínhamos assistido a uma palestra do também saudoso Fernando Tarallo (1951-1992) —  ouvi do Prof. Franchi que não citava trabalhos dele mesmo. Aquela conversa ficaria na minha memória, junto com as palavras de Rodolfo Ilari na homenagem póstuma ao amigo: “a vontade de pesquisar com humildade” (Ilari, 2002: 87).

Tornei a lembrar-me dessa conversa por estes dias: um estudo sobre um corpus de 100 mil pesquisadores muito citados mostrava que 250 deles, em pelo menos 50% das vezes em que foram citados, haviam citado a si ou recebido citação de seus co-autores; em alguns dos casos, em 94% das citações.

Os tempos mudaram desde aquela conversa. Um pesquisador como o Prof. Franchi, cuja produção foi “altamente informal, tendo preferido a exposição em seminário ao impresso, e o working paper ao livro” (Ilari, 2002: 85), hoje seria forçado não só a publicar mais (o que nos faz lembrar da anedota de que Saussure atualmente não conseguiria lugar num programa de pós-graduação em Linguística porque não publicava — a respeito desse saussureano “horreur d’écrire”, ver Piller, 2013, texto já mencionado neste blogue), mas também a demonstrar o impacto de sua pesquisa pela contabilização de referências, de quantificação mais fácil que o respeito acadêmico e a influência sobre  alunos e colegas.

Ao  longo das últimas décadas aumentou o número de grupos de pesquisa e, em paralelo, houve aumento no número de trabalhos referidos num artigo, não importa de que área. Nas Ciências Sociais, por exemplo, se na década de 1960 o número médio de citações por trabalho estava um pouco abaixo de 10 títulos, em 2015 a média já chegava a 50 (Van Noorden, 2017). Em 2005 surgia o índice-h, uma medida do impacto das pesquisas que toma por base as citações. E assim as citações entraram no cv Lattes, passaram a pontuar pedidos de progressão na vida acadêmica…

Deixando de lado por enquanto os maus usos das auto-referências, em que situações citar/referir nosso próprio trabalho chega mesmo a ser necessário? Afinal, o mesmo estudo apontava 12,7 % como valor médio de auto-citações.

Em primeiro lugar, em razão da continuidade da pesquisa: se estamos voltando a material que já publicamos — e, como aconselha o Prof. Ataliba de Castilho, especialmente se mudamos de ideia em relação a trabalho que publicamos no passado — temos de referir o que publicamos anteriormente. Em segundo lugar, se utilizamos material nosso anteriormente publicado, para evitar acusações de autoplágio (COPE, 2019,Legitimate Reasons for Self-Citation). Este segundo motivo era desconhecido até bem pouco tempo  e nem mesmo sua denominação era encontrada em português.

Sobre autoplágio, neste blogue:
Autoplágio ou reciclagem textual -1 
Autoplágio ou reciclagem textual -2

[Post 1] [Post 2] [Post 3] [Post 4] [Post 5]


COPE/ Committee on Publication Ethics. 2019. Citation Manipulation. COPE Discussion Document, Version 1: July 2019. https://publicationethics.org/files/COPE_DD_A4_Citation_Manipulation_Jul19_SCREEN_AW2.pdf

Hirsch, J. E. 2005. An index to quantify an individual’s scientific research output.

Ilari, Rodolfo. 2002. Humildade na pesquisa para construir o futuro. Revista do GEL/ Grupo de Estudos Linguísticos do Esta do de São Paulo. Número Especial.  “Em memória de Carlos Franchi (1932-2001), 2002, nº 0. São Paulo: Contexto. p. 83-87 https://revistas.gel.org.br/rg/article/download/178/154 

Piller, Ingrid. 2013. Saussure, the procrastinator. Language on the Move, 30Out2013. https://www.languageonthemove.com/saussure-the-procrastinator/
Van Noorden, Richard. 2017.  The science that’s never been cited. Nature Briefing, 13Dez2017. https://www.nature.com/articles/d41586-017-08404-0
Van Noorden, Richard &  Chawla, Dalmeet Singh. 2019. Hundreds of extreme self-citing scientists revealed in new database. Nature Briefing, 19Ago2019

https://www.nature.com/articles/d41586-019-02479-7


Autoplágio ou reciclagem textual – 2

Algumas situações em que um trabalho já publicado ganha nova publicação:

  • na tradução para outra língua;
  • na apresentação do trabalho para um público diferente.

Isso é problema?

Nenhum problema, mas a publicação anterior deve ser claramente indicada e, se for o caso, o novo editor deve ser avisado quando da submissão do manuscrito. Isso diminui as chances de publicação? Muito provavelmente. Mas é muito melhor do que ter um trabalho retratado.

E se for apenas a reutilização de porções de texto já publicado num novo texto?

Uma saída é tratar esses trechos como citação de trabalho anterior, com aspas e referência.

Mas se reapresentar um trabalho, no todo ou em parte, é autoplágio, se assim é não posso colocar meu manuscrito no meu blogue ou num servidor de preprints? Até a Scielo está construindo um repositório de preprints (que está no âmbito da questão mais ampla do acesso aberto)! 

Bom, aí complica, porque revistas têm políticas próprias, que podem ou não permitir essa prática. No que respeita a preprints, a Wikipedia arrolou vários periódicos com alto fator de impacto e apontou a política de cada um quanto a essa publicação prévia.


FAPESP. Aos 20 anos, SciELO planeja plataforma de preprints. Pesquisa FAPESP, 272. Out2018. https://revistapesquisa.fapesp.br/2018/10/22/aos-20-anos-scielo-planeja-plataforma-de-preprints/

Roig, M. 2010. Plagiarism and self-plagiarism: What every author should know Biochemia Medica,20(3):295-300. https://www.biochemia-medica.com/en/journal/20/3/10.11613/BM.2010.037

Wikipedia contributors, “List of academic journals by preprint policy,” Wikipedia, The Free Encyclopedia, https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=List_of_academic_journals_by_preprint_policy&oldid=899808896 .

[Parte 1] [Parte 2]


Autoplágio ou reciclagem textual – 1

Autoplágio é termo recente que vem sendo definido como a republicação de um trabalho no todo ou em parte, pelo autor, sem que se informe ao leitor da publicação anterior — em suma: apresenta-se como novo algo que não é novo. Daí a denominação alternativa reciclagem textual.

Pode causar estranheza considerar essa uma atitude censurável: afinal, plágio diz respeito a lançar mão do trabalho de outrem como se fosse próprio. Por que, então, reapresentar um trabalho próprio é considerado má conduta?

Esse comportamento é problemático se revela a intenção de inflacionar a produção no próprio cv, mas também se incorre em problemas ligados a copyright.

[Continua]

[Parte 1] [Parte 2]


A terceirização na avaliação por pares -2

A defesa da terceirização dos pareceres toma por base, em geral, a necessidade de treinamento nessa tarefa acadêmica. Se a questão é o treinamento de orientandos,  há formas mais eficazes. McDowellKnutsen, GrahamOelker & Lijek  apresentam o modelo implementado por uma professora  da University of California Santa Cruz, Needhi Bhalla, transcrito abaixo. Há também treinamentos online, como, por exemplo:

Já a não inclusão do nome do colaborador foi  justificada, na pesquisa, com argumentos como esconder dos editores que o parecerista convidado, ao nomear os colaboradores no parecer, demonstraria ter quebrado o sigilo da avaliação; mais estranho foi o argumento  de não haver um campo no formulário para incluir a colaboração.

O nome de quem escreveu ou teve co-autoria deveria receber créditos. Se alguém escreve um parecer mas outrem o assina, estamos diante de uma prática conhecida como autoria fantasma. Não é uma boa prática.

 


Template from Dr. Needhi Bhalla (UCSC) for peer review training using preprints

Assignment description

“Your assignment is to pick a cell biology preprint from biorxiv (http://biorxiv.org/collection/cell-biology) and review it. This assignment is due [DATE] [TIME], Please submit your review as a word document so that I can edit it.

I’ll assess, edit and grade your review. Afterwards, you will email your edited review to the corresponding author(s), cc’ing me on this email. Your grade is contingent upon submission of your review to the authors.

I’d like you to organize your review as follows:

Part 1. Summary (less than 500 words):

Write a brief overview of the author’s findings and provide a general assessment on the quality of the work: strengths and weaknesses.

Part 2. Detailed comments:

Address each of the questions below, providing specific examples to justify your comments.

  1. Significance 

    Does the author provide justification for why the study is novel and how their results will influence the field?

  2. Observation

    Are the author’s descriptions of the data accurate and are all key experiments and hypotheses covered? Are the author’s arguments logically and coherently made? Are counterbalancing viewpoints acknowledged and discussed? Are they sufficiently detailed for a non-expert to follow? Do they include superfluous detail?

  3. Interpretation

    Are the inferences supported by the observations? Do you agree? If not, what experiments would you need to see to be convinced? Please limit any requests for new work, such as experiments, analyses, or data collection, to situations where the new data are essential to support the major conclusions. Any requests for new work must fall within the scope of the current submission and the technical expertise of the authors.

  4. Clarity

    Is the manuscript easy to read and free of jargon, typos, and grammatical or conceptual errors? Is the information provided in figures, figure legends, boxes and tables clear and accurate? Is the article accessible to the non-specialist?

    Tips:

    It is important to provide a helpful review that you would want to receive. Critical thinking does not need to be negative to be convincing!

    Let me know if you’d like to consult with me about your choice of papers or have any questions.”

 


McDowell, Gary S. et alii. Co­reviewing and ghostwriting by early career researchers in the peer review of  manuscripts.  bioRxiv preprint first posted online Apr. 26, 2019; doi: http://dx.doi.org/10.1101/617373.

[Parte 1] [Parte 2]


Livro adicionado: “Escrita acadêmica: primeiros passos”, de Maria Carlota Rosa

Escrita acadêmica: primeiros passos está em acesso aberto no link abaixo, na aba Sobre neste site e no Pantheon – Repositório Institucional da UFRJ. Voltado especialmente para os pós-graduandos do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFRJ, pode servir de orientação a outros alunos no processo de se tornarem autores acadêmicos.

O livro se compõe de três partes. A primeira parte tem como suporte a macro-organização dos maiores desafios do início do percurso acadêmico:  a dissertação de mestrado e a tese de doutorado, mas também a monografia de final de curso de graduação.

Feito o trabalho, a pergunta: onde publicar? É o tema da segunda parte.

A terceira parte trata de um problema crescente: a publicação que compromete o currículo.


ROSA, Maria Carlota. 2018. Escrita acadêmica: primeiros passos. Rio de Janeiro: M.C.A.P.Rosa. ISBN: 9788592237226


E os agradecimentos? (Em especial, na dissertação ou na tese)

Num texto acadêmico, os agradecimentos dizem respeito a contribuições que não se qualificam como autoria. Um exemplo: o financiamento. Sem bolsa de uma FAP (i.e., de uma das Fundações de Amparo à Pesquisa) ou do CNPq, da CAPES não teria sido possível o desenvolvimento do trabalho; por conseguinte, essa agência específica estará nos agradecimentos (certamente essa exigência já estava no contrato assinado).

Do mesmo modo, quem  prestou ajuda técnica com aparelhos, quem permitiu acesso a dados ou quem revisou a redação  contribuiu, mas não é autor. Nos Agradecimentos, então.

Quem tem de estar nos agradecimentos

Têm de estar listados nos agradecimentos de tese, dissertação, monografia: a) no caso de bolsista, a agência de fomento (com o nome da bolsa e o número do auxílio); b) o orientador, sem o qual  sequer haveria defesa.

  • Se não houver agradecimentos ao orientador, fica implícito que orientador e orientando estavam em guerra.
  • Fica implícita a mensagem de que o orientador não orientou se o agradecimento ao orientador:
    • vier lá pelo meio de uma lista de agradecimentos, ou
    • se aparecerem como orientadores (pior: antes do orientador oficial) outros orientandos do orientador.
(Vale a pena deixar o registro do mal-estar para a posteridade?)

Especifique em que consistiu a contribuição de cada nome arrolado.

O que é opcional (mas recomendável incluir) nos agradecimentos 

No caso de dissertações, teses e monografias:

  • a instituição em que o trabalho foi desenvolvido, que disponibilizou sua infraestrutura, como bibliotecas, laboratórios;
  • outra instituição em que tenha feito estágio, bolsa sanduíche;
  • os responsáveis pela liberação ou diminuição de carga horária no trabalho;
  • leitores de versões prévias.

No caso de artigo, aos pareceristas que tenham contribuído para a melhoria do trabalho.

No caso de periódicos, há os que exigem 
autorização por escrito daquele a quem se agradece 
para que o nome possa ser mencionado nos agradecimentos.
Evitam, desse modo, que pesquisadores-seniores
pareçam dar peso a um trabalho cuja existência 
possam mesmo desconhecer. 

Quem (ou o que) não deve estar nos agradecimentos

Em artigos são raros, uma vez que não há espaço, mas têm sido comuns em monografias, dissertações e teses brasileiras, ao menos em Linguística, o que poderíamos classificar como agradecimentos afetivos. São agradecimentos relativos ao incentivo ou ao suporte, emocional e/ou financeiro, recebido de parentes, amigos e até de  animais de estimação. Também são comuns os agradecimentos religiosos.

Podem ser comuns, mas é estranho abrir uma dissertação, tese ou monografia e encontrar agradecimentos não acadêmicos, como os exemplos a seguir. Expõem desnecessariamente e num contexto inapropriado a intimidade do autor:

  • Agradeço ao meu namorado, XXXXX, com quem eu sei que passarei o resto da minha vida. 
  • Primeiro de tudo, gostaria de agradecer a Deus por manter a minha mãe ao meu lado. 
  • À minha cadela, que sempre quando eu estava triste me alegrou (mesmo sem dizer uma palavra) com todo o seu amor. 
  • Aos meus amigos que acreditaram em mim. 
  • Às minhas tias que sempre se alegram com minhas conquistas acadêmicas e pessoais.
Mas e os amigos do café antes das aulas? 
As tias? O namorado? 
Chame-os para uma comemoração!
Num trabalho longo como a tese, o afeto por
essas pessoas (e o amor a Deus) poderia achar lugar na Dedicatória. 

 É caso de agradecimento ou de coautoria?

Teses e dissertações não trazem esse problema.

Comece a preparar o arquivo dos agradecimentos 
quando estiver começando o trabalho. 
Garanta desse modo que TODOS que 
contribuíram com sugestões ou comentários 
relevantes, bibliografia, dados não sejam esquecidos.


Vale ler os artigos:

Hayashi, Maria Cristina Piumbato Innocentini. 2018.  Agradecimentos em artigos científicos: o ponto de vista de pesquisadores. Prisma, 37: 55-70. http://ojs.letras.up.pt/index.php/prismacom/article/download/4708/4401

MONTEIRO, Rosangela et al. 2004. Critérios de autoria em trabalhos científicos: um assunto polêmico e delicado. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular .19 (4): III-VIII.  http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-76382004000400002&script=sci_arttext

MONTENEGRO, Mano R.  & ALVES, Venâncio A. Ferreira. Critérios de autoria e coautoria em trabalhos científicos. Acta Botanica Brasilica [online]. 1997, 11 (2): 273-276   http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-33061997000200014&script=sci_arttext


Referências

Parte do material desta postagem reproduz  Rosa, Maria Carlota. 2015. Guia para trabalhos monográficos originais. Material para os orientandos.


Na lista de autores ou nos agradecimentos?

 

Uma pesquisa com cerca de 6000 entrevistados

No início deste ano de 2018, Patience et alii publicaram um preprint em que relatavam uma pesquisa sobre o que, na prática,  seria ou não considerado autor. As respostas vieram de diferentes países (Quadro 1),

autoria-paises
Poucas foram as respostas enviadas pelo que foi classificado como literatura (apenas 36) e como filosofia (38) (Quadro 2); afinal, a autoria múltipla não é tradição nessas áreas e  "[t]he Researchers in the humanities, mathematics, theoretical physics, and economics stated that most of the questions did not apply to them".

autoria-areas Quadro 2

 

Quadro 3
Para muitas das atividades discriminadas no questionário, as respostas demonstravam que podiam ser incluídas como autoria "quase sempre" ou "quase nunca" praticamente na mesma proporção (Quadro 3).

O artigo pode ser facilmente consultado, porque está num servidor de preprints, https://www.biorxiv.org/.
A referência completa:

Patience, Gregory S.; Galli, Federico; Patience, Paul & Boffito, Daria C. 2018.Intellectual contributions meriting authorship: Survey results from the top cited authors across all science categories. bioRxiv preprint first posted online May. 17, 2018; https://www.biorxiv.org/content/10.1101/323519v1

A autoria múltipla: o primeiro, o último, só um “et alii”?

Any issue of Nature today has nearly the same number of Articles and Letters as one from 1950, but about four times as many authors. The lone author has all but disappeared. In most fields outside mathematics, fewer and fewer people know enough to work and write alone. If they could, and could spare the time and effort to do so, their funding agencies and home institutions would not permit it. (Greene, [2007])

Embora o excerto acima seja relativo à revista Nature, o número de trabalhos em colaboração vem crescendo, mesmo em áreas em que essa não era a tradição, caso da Linguística, especialmente em algumas de suas especialidades.

Se levarmos em conta, por exemplo, os cinco últimos números da Revista Linguística,  foram 54 os artigos publicados;  28 deles  tinham mais de um autor, sendo que o primeiro número de 2018  tinha um autor em apenas três dos 10 artigos publicados. Mesmo assim, dos sete artigos com mais de um autor, apenas dois tinham mais de dois autores: um com três autores e outro, com oito. Ainda bem longe, portanto, dos números em áreas como a Física ou a Biologia levantados este ano:

One quarter of the top 500 cited articles in nuclear physics averaged 1160 authors (WoS, 2010 to 2015)* [21]. Author counts biomedical journals are not so high 69 but 19 of the 244 articles Lancet publsihed [sic] in 2017 had more than 40 authors, 10 had  more than 480 authors, and one had 1039 [22]. (Patience et alii, 2018: 3)

Esses números de autores por trabalho são impensáveis em linguística.

__________________
* WoS = abreviatura para Web of Science, serviço de propriedade da Clarivate Analytics. Essa plataforma pode ser consultada via Portal de Periódicos da CAPES, mas está disponível apenas para os acessos com IP identificado das instituições participantes do Portal. Não faz parte do conteúdo gratuito do Portal. 

_______________

A Revista da ABRALIN (Associação Brasileira de Linguística)
tem implícita a tradição da área nas instruções 
para submissão de artigos (ênfase adicionada):


"Na primeira página, deverão constar o título do trabalho 
em letras maiúsculas em português ou inglês 
e o nome do autor com letras maiúsculas somente nas iniciais. 
No rodapé, deverá ser indicada a qualificação do autor e, 
se for o caso, sua condição de bolsista do CNPq, CAPES ou FUNCAP".

Com o crescente número de autores por trabalho (e com o fato de a publicação científica ter-se tornado um negócio milionário), um conceito que parecia simples tornou-se um tópico em discussão: quem pode ser arrolado como autor afinal?

Uma situação que parece ter feito a área biomédica se preocupar tanto com o conceito de autor deriva de terem vindo a público casos do que se convencionou chamar “autoria fantasma“:  uma empresa farmacêutica, por exemplo, dentro de sua campanha de marketing prepara um artigo que será assinado por alguém com destaque na área e publicado numa revista famosa. Os nomes ligados ao fabricante que trabalharam no artigo fornecendo as informações que deveriam chegar ao público não aparecem, o que  esconde  que o trabalho é uma peça para incentivar a venda de determinado produto e que não se trata de uma análise independente dos benefícios e riscos de uma droga (ver Moffatt, 2013).

Quem é autor? Algumas propostas de  editores científicos

Para os editores, a autoria está ligada ao direito autoral.

LSA – Linguistic Society of America (como no caso da ABRALIN, não se discutem critérios de autoria; o conceito não traz maiores problemas):

Authorship. Complete and accurate identifying information for all authors, along with their email addresses, where possible, must be provided on the initial submission of a manuscript.  The corresponding author should be clearly indicated. Changes to a paper’s authorship after the fact must be requested in a letter to the Editors clearly stating why the change is necessary, and must be confirmed by the non-corresponding authors in a brief email message to the Editors. The ultimate decision to make changes after the initial submission rests with the Editors

ESA – Ecological Society of America (os critérios da ICMJE parecem fundamentar a lista de critérios da área, mas não há necessidade de atender a todos eles):

Publication: The following principles of ethical professional conduct apply to members reviewing, editing, or publishing grant proposals and papers in the professional literature in general, and particularly to all ecologists seeking publication in the Society’s journals.

  1. Researchers will claim authorship of a paper only if they have made a substantial contribution. Authorship may legitimately be claimed if researchers
    1. conceived the ideas or experimental design;
    2. participated actively in execution of the study;
    3. analyzed and interpreted the data; or
    4. wrote the manuscript.
  2. Researchers will not add or delete authors from a manuscript submitted for publication without consent of those authors.
  3. Researchers will not include as coauthor(s) any individual who has not agreed to the content of the final version of the manuscript. [….]

WAME – World Association of Medical Editors  (o grupo decide):

Authorship implies a significant intellectual contribution to the work, some role in writing the manuscript and reviewing the final draft of the manuscript, but authorship roles can vary. Who will be an author, and in what sequence, should be determined by the participants early in the research process, to avoid disputes and misunderstandings which can delay or prevent publication of a paper.

EASE – European Association of Science Editors    (segue a ICMJE):

Lista de autores, isto é, todas as pessoas que contribuíram significativamente para o planejamento do estudo, coleta de dados ou interpretação dos resultados e escreveram ou revisaram criticamente o original e aprovaram a versão final do mesmo e consideram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho. Todas as pessoas que cumpram o primeiro critério devem poder participar na elaboração e aprovação da versão final (ICMJE 2016). Os autores mencionados primeiro devem ser aqueles que tiveram maior participação. A ordem dos nomes dos autores deve ser determinada antes de enviar o artigo. Quaisquer alterações feitas depois do envio devem ser aprovadas por todos os autores e explicadas ao editor do periódico (Battisti et al. 2015, ver COPE flowcharts).

ICMJE –  International Committee of Medical Journal Editors (ou critérios de Vancouver) – na área biomédica, certamente o conjunto de critérios mais referido:

  1. Contribuições substanciais para a concepção e planejamento do trabalho, ou a aquisição, análise ou interpretação de dados para o trabalho;  E
  2. Redação prévia ou revisão crítica no que respeita ao conteúdo intelectual; E
  3. Aprovação final da versão a ser publicada;  E
  4. Concordância em poder prestar contas de todos os aspectos do trabalho, assegurando que questões relativas à precisão e integridade de qualquer parte do trabalho sejam apropriadamente investigadas e resolvidas.
E se um pesquisador do grupo morrer antes da submissão?
Não preencheria os dois últimos critérios da ICMJE.
A pergunta é estranha, mas já mereceu 
consideração, por exemplo, em
Teixeira da Silva & Dobánszki, 2015.

E se ninguém preenche os quatro critérios?
Ver uma interessante discussão em Moffatt, 2013.


O primeiro, o último, em ordem alfabética ou … 

Com a autoria múltipla, surge a questão da ordem dos nomes. A Norma NBR 6023/2002, da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, determinava que a citação de um trabalho de mais de três autores  transforma  todos que não o primeiro autor em et alii  ou et al. (lat. ‘e outros’).

Na revisão de 2018 dessa Norma, isso foi flexibilizado: “8.1.1.2 Quando houver quatro ou mais autores, convém indicar todos. Permite-se que se indique apenas o primeiro, seguido da expressão et al.”.

Cada área de conhecimento (e cada país) parece ter sua cultura.

Um critério de ordenação é respeitar a ordem alfabética dos sobrenomes. Uma crítica à ordem alfabética é que iguala a todos. Alguém de sobrenome Abreu terá mais chances de ser o primeiro autor que alguém com o sobrenome Xavier e, no caso de mais de três autores, algo como Abreu, Leão, Oliveira & Xavier seria Abreu et alii [condenando às trevas do esquecimento todos os demais … Muito dramático!]. Se todos trabalharam, isso não deveria ser um problema.

Se o critério para listar autores for a contribuição, o primeiro autor é o que mais contribuiu.

Dependendo da área de conhecimento, a tradição pode levar o nome de mais prestígio e responsável pelo desenho do projeto para o último lugar na lista de autores (Borenstein &  Shamoo, 2015: 272; Dance, 2012). Isso não é o mesmo que dizer que o último nome só está ali para dar peso a nomes em início de carreira, ou que é o dono da sala, que impôs seu nome … e que sequer leu o manuscrito.

E se o trabalho resulta de uma colaboração 
internacional interdisciplinar? 
Não haverá vários pesquisadores com prestígio envolvidos?

Mas não é tão simples. Na Índia, por exemplo, o Conselho de Medicina reviu em 2015 os critérios para a promoção de professores de instituições médicas e, no tocante às publicações, para ser promovido há a exigência de ser indicado como primeiro ou segundo autor nas publicações  (Aggarwal, Gogtay,  Kumar  &  Sahni, 2016).

Uma área cinzenta:  quem fica no meio da lista? Há quem diga que ninguém lê aqueles nomes.

E onde fica o autor correspondente ?

Em trabalhos com autoria múltipla, o autor correspondente  (ing. corresponding author ou  CA) — que pode não ser nem o primeiro nem o último autor — é o nome responsável  pela comunicação com os editores: 

This means she needs to ensure that all authors are aware that the manuscript is being submitted and have had a chance to read it and sign off on it; that the potential conflicts of interest of each author are surfaced and thoughtfully collated; and that at least one author has seen, reviewed, and can vouch for the veracity of ALL of the data in the paper. (Marcus, 2016)

Mas não só: é o nome responsável  também pela comunicação com os leitores e aquele a ser contactado no caso de qualquer questão que porventura surja após a publicação.

Na China (Borenstein &  Shamoo, 2015: 272) — mas certamente não só lá e na dependência da área de conhecimento — confere prestígio ser o nome indicado como o autor correspondente, atribuição que demonstraria tratar-se de um pesquisador-sênior. 

Na área Letras e Linguística no Brasil a figura do autor que responde pelo trabalho coletivo junto aos editores do periódico começa a surgir, acompanhando o aumento do número de autores por trabalho. Já está, por exemplo, nas instruções aos autores  da Revista de Estudos da Linguagem, embora com denominação um pouco distinta (ênfase adicionada):

For multiple author submissions, all authors must be registered as users of the journal; additionally, all authors must be listed on the the submission page by the submitting author. All authors must have ORCIDIDs and these have to be inserted in the Metadata section of the article [….].The submitting author must declare each author’s contribution to the paper upon submission. [….]

The submitting author must declare each author’s contribution to the research and paper under submission. This information release is incombent on the submitting author and should be inserted in the “Comments to the Editor” section.

Vem surgindo uma nova figura na publicação de
trabalhos com autoria múltipla e com dados originais: 
o guarantor (algo como 'fiador', 'garante'), que atesta
que teve acesso aos dados e garante a integridade
e correção do que foi feito por cada autor. 
Nem sempre é clara a distinção 
entre o guarantor e o autor correspondente.

Strange (2008), com base nos quatro critérios de autoria do ICMJE, propôs que a ordenação da área seguisse os critérios no quadro a seguir.

Autoria -ICMJE
A significação a extrair da ordenação de autores de um artigo da área biomédica segundo  Strange (2008) .

Posso escrever um artigo científico anônimo?
Não. Trabalho individual ou em grupo, um artigo científico
tem de estar assinado. Quem assina é responsável pelos
achados apresentados.

Posso usar um pseudônimo?
Também não! Mas ... há casos famosos de pseudônimos na
vida acadêmica. 
1)  Zoroastro Azambuja Filho e Euclides Rosa foram heterônimos 
do famoso matemático Elon Lages Lima (1929-2017). Não eram 
apenas pseudônimos porque deu vida a eles, a ponto de 
criar um conflito entre ambos
(entrevista pelos 50 anos do IMPA - Instituto de Matemática 
Pura e Aplicada, p. 110-111).

2) Nicolas Bourbaki, por sua vez, é um pseudônimo coletivo
de um grupo de matemáticos fundado na década de 1930, 
cujos membros iniciais foram 
Henri Cartan (1904-2008), Claude Chevalley (1909-1984), 
Jean Delsarte (1903-1968), 
Jean Dieudonné (1906-1992) e André Weil (1906-1998) 
(Wikipedia, Nicolas Bourbaki).  

3) O homem que calculava fez parte da 
iniciação à Matemática de muita gente no Brasil.
O autor, Malba Tahan foi pseudônimo de Júlio César de Melo e Sousa
(1895-1974).
Mas eram outros tempos...

É preciso mesmo fazer um ranque de importância de participações?

Uma disputa sobre quem deveria estar, por exemplo, em sétimo ou em oitavo numa lista de 10 autores soa estranha; afinal diz muito pouco para o leitor de um artigo.

Por outro lado, se o oitavo nome 
não tivesse feito sua parte como ficaria o artigo?

Na lista de autores ou nos agradecimentos?

Levada às últimas consequências, esses critérios também podem retirar alguém da lista de autores e movê-lo para a lista de contribuições que merecem agradecimento e isso nem sempre é fácil e não há consenso nem dentro de uma única área sobre inclusão e exclusão.

Vejam-se os exemplos (Strange, 2008) de tarefas que não permitiriam a inclusão de um nome na lista de autores, apenas nos agradecimentos na área biomédica.

Autoria - exclusao
Nos agradecimentos apenas (Strange, 2008)

Quem é autor? A prática na área da Linguística

Os critérios da ICMJE são estranhos a Letras e Linguística. Um exemplo. Quem gravou entrevistas, trabalhou na transcrição e trabalhou na anotação linguística do corpus deveria ser incluído como autor? A aplicação dos critérios do ICMJE para a definição de autor em Linguística diria que não seria autor se a participação se limitou a essas atividades. Como se vê, os critérios não são universais.

E se todo esse conjunto de dados
for usado por outros grupos de pesquisa que
sequer conhecem aqueles colaboradores que concretizaram o corpus?

Consultei informalmente três expoentes da Linguística no Brasil que sempre trabalharam com grandes grupos de pesquisa. Suas respostas confirmam que, nesta área,  os critérios são decididos no grupo (“os autores do texto decidem quem é quem, e assim procedem à sequenciação dos nomes“) e que mesmo líderes de um grande grupo de pesquisa não são necessariamente coautores, seja em trabalhos com autoria múltipla ou mesmo em dupla (“Raramente publico em dupla –só o fiz duas vezes“). A tradição de publicações monoautorais ainda tem força.


Uma tentativa de evitar conflitos

Cada área de conhecimento (e cada país) parece ter sua cultura para incluir ou excluir nomes de uma lista de autores de um trabalho. Melhor discutir com o grupo os nomes que serão incluídos numa publicação e sua ordenação ─ vale a pena fazer dessa  uma decisão clara no grupo. De preferência antes de o trabalho começar. E durante o trabalho também. E deixar claro na publicação em que consistiu a colaboração de cada um.


Referências

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Informação e documentação –
Referências – Elaboração – NBR 6023, Ago. 2002.

Revisão de 2018: https://www.ufpe.br/documents/40070/1837975/ABNT+NBR+6023+2018+%281%29.pdf/3021f721-5be8-4e6d-951b-fa354dc490ed

Aggarwal, R., Gogtay, N., Kumar, R., Sahni, P., Indian Association of Medical Journal Editors. 2016. The revised guidelines of the Medical Council of India for academic promotions: Need for a rethink. Journal of Ayurveda and integrative medicine, 7(1): 3-5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4910577/

Borenstein, Jason &  Shamoo, Adil E. 2015.  Rethinking Authorship in the Era of Collaborative Research, Accountability in Research, 22: 267-283. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25928178/

Dance, Amber. 2012. Authorship: Who’s on first? Nature, 489: 591–593. https://www.nature.com/articles/nj7417-591a

Greene, Mott. [2007]. The demise of the lone author. History of the Journal Nature. https://www.nature.com/articles/d41586-019-01804-4#:~:text=During%20the%20editorship%20of%20Philip,system%20is%20likely%20to%20last.

ICMJE – International Committee of Medical Journal Editors . Who Is an Author?  http://www.icmje.org/recommendations/browse/roles-and-responsibilities/defining-the-role-of-authors-and-contributors.html

IMPA – Instituto de Matemática Pura e Aplicada. 2003. IMPA 50 Anos. https://www.yumpu.com/pt/document/read/46640233/impa-50-anos

Moffatt Barton. 2013. Orphan papers and ghostwriting: The case against the ICMJE criterion of authorship. Accountability in Research, 20:59-71.

Marcus, Emilie. 2016. What does it mean to be the corresponding author? Cell’s “Crosstalk”, 8Mar2016.  http://crosstalk.cell.com/blog/what-does-it-mean-to-be-the-corresponding-author

Patience, Gregory S.; Galli, Federico; Patience, Paul & Boffito, Daria C. 2018.Intellectual contributions meriting authorship: Survey results from the top cited authors across all science categories. bioRxiv preprint first posted online May. 17, 2018; doi: http://dx.doi.org/10.1101/323519 

Revista de Estudos da Linguagem .  http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/index

Revista Linguística. https://revistas.ufrj.br/index.php/rl

Strange, Kevin. 2008. Authorship: why not just toss a coin?. American journal of physiology. Cell physiology , 295 (3): C567-75. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2544445/

Teixeira da Silva, Jaime & Dobánszki, Judit. 2015. The Authorship of Deceased Scientists and Their Posthumous Responsibilities. Science Editor. https://www.csescienceeditor.org/article/the-authorship-of-deceased-scientists-and-their-posthumous-responsibilities/

Wikipédia, Contribuidores da. Malba Tahan 

Wikipédia, Contribuidores da. Nicolas Bourbaki


3 – Alguns comentários sobre as partes 1 e 2 anteriores: ainda a autoria

Autoria não é presente, como já se ressaltou aqui anteriormente. Somos responsáveis pelo que assinamos.  Autoria também não é uma cortesia a se fazer com colegas, amigos, parentes. Menos ainda se for uma cortesia-surpresinha, da qual o agraciado não é avisado, como parece ter acontecido em dois dos trabalhos retratados do Dr. Reuben.

Quem assina um trabalho tem de “estar ciente de como os resultados foram apresentados e estar disposto a defender o manuscrito final“, afirmam Padula, Somerville & Mudrak, 2018. Resumem, desse modo, o quarto e último dos critérios de autoria estabelecidos pelo  International Committee of Medical Journals Editors (ICMJE) que têm de ser satisfeitos por cada autor,  a saber:

  • Contribuições substanciais para a concepção e planejamento do trabalho, ou a aquisição, análise ou interpretação de dados para o trabalho;  E
  • Redação prévia ou revisão crítica no que respeita ao conteúdo intelectual; E
  • Aprovação final da versão a ser publicada;  E
  • Concordância em poder prestar contas de todos os aspectos do trabalho, assegurando que questões relativas à precisão e integridade de qualquer parte do trabalho sejam apropriadamente investigadas e resolvidas.
Mas tenho de responder pelo que não fiz no trabalho? 
Essa parte nem é minha área!
No famoso caso Imanishi-Kari, David Baltimore, um dos autores 
e,já na época, Prêmio Nobel, assim se referiu aos dados
do artigo da Cell: 
"It was the kind of work I didn't know how to do, 
had never done, 
and I had collaborated with Imanishi-Kari 
for that reason" (Kleves, 1996: 99)

O comentário de Baltimore vai ao encontro da crítica de que o quarto critério do ICMJE  não é razoável ou viável para todos os membros de uma equipe:

For example, many undergraduate researchers do not have the authority or expertise to handle the associated responsibilities contained with ICMJE’s criterion. Along these lines, postdoctoral fellows are often at the mercy of a lab director in terms of their professional future and do not always have robust support systems in place to protect them from reprisal if they seek to uphold the “accuracy or integrity” of a project. [….] The power differential between junior and seniors researchers is hard to ignore. Furthermore, one collaborator may effectively have no way of knowing how another’s data were obtained or what they fully mean. For example, a biochemist collaborating with an X-ray crystallographer or an electron microscopist might not be able to, or struggle to, appreciate the field-specific nuances of the other person’s work. (Borenstein &  Shamoo, 2015: 274)

Caso se leve em conta quem tomou parte da redação do texto em algum momento, de novo  vem a pergunta: como ficam trabalhos com equipes multidisciplinares,  de diferentes centros (parte deles não nativos da língua em que saíra a publicação)?  E se o número de autores chegar aos milhares, se forem mais de 5000 autores,  por exemplo, como no trabalho sobre o bóson de Higgs de 2015? Ou mesmo 20?  Que contribuições num projeto qualificam alguém como autor de um trabalho?

A complexidade do problema vem promovendo a proposta, pelo menos desde 2012, de que se deixe claro o tipo de contribuição de cada um, caso da  taxonomia CRediT.

As áreas têm culturas diferentes. Um exemplo.

No começo dos anos 1990, passeando pela seção de painéis de um encontro de física, chamou a minha atenção um trabalho sobre estatística de distribuição de níveis de energia em um cristal. [….]  Perguntei ao colega que estava apresentando o painel sobre essa estatística e a resposta foi que ele fizera os cálculos dos níveis de energia, não sabia interpretá-los e quem poderia responder a minha pergunta era o outro autor, que não estava presente. [….] Na época o desconforto que a questão suscitou foi aplacado pela lembrança de uma prática internalizada na comunidade científica a qual pertencia. Experimentos importantes são realizados por diferentes grupos utilizando amostras sofisticadas obtidas em poucos laboratórios. O uso dessas amostras configura um tipo de colaboração comum e os artigos resultantes dessas colaborações sempre têm o produtor das amostras como autor. Faz parte do paradigma da comunidade a percepção clara da função específica daquele autor na lista de autores.  A autoridade dele é sobre a amostra e não sobre a pesquisa resultante em si. (Schulz, 2017)


Referências

Borenstein, Jason &  Shamoo, Adil E. 2015.  Rethinking Authorship in the Era of Collaborative Research, Accountability in Research, 22: 267-283. http://nursing.msu.edu/research/Resources%20for%20Researchers/Reccomended%20Reading%20Articles/Rethinking%20authorship%20in%20the%20era%20of%20collaborative%20research.pdf

Castelvecchi, Davide. 2015. Physics paper sets record with more than 5,000 authors. Nature News. https://www.nature.com/news/physics-paper-sets-record-with-more-than-5-000-authors-1.17567#/b1

Harvard University and the Wellcome Trust. 2012. Report on the International Workshop on Contributorship and Scholarly Attribution, IWCSA Report .   http://projects.iq.harvard.edu/files/attribution_workshop/files/iwcsa_report_final_18sept12.pdf

Kleves, Daniel J. 1996. The assault on David Baltimore. The New Yorker, 27Maio1996.  http://web.mit.edu/chemistryrcr/Downloads/Baltimore.pdf

Padula, Danielle, Somerville, Theresa & Mudrak, Ben. 2018. Todos os periódicos devem ter uma política que defina a autoria – aqui está o que incluir [Publicado originalmente no blog LSE Impact of Social Sciences em Janeiro/2018] [online]. SciELO em Perspectiva, 2018.  https://blog.scielo.org/blog/2018/08/31/todos-os-periodicos-devem-ter-uma-politica-que-defina-a-autoria/

Schulz, Peter. 2017. Já não se fazem mais autores como antigamente. Jornal da Unicamp. 17Out2017. https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/peter-schulz/ja-nao-se-fazem-mais-autores-como-antigamente

[Parte 1] [Parte 2] [Parte 3]

Quem é autor do trabalho, afinal? Decisões sobre coautoria

 A resposta à pergunta parece fácil, mas pode ser o centro de um conflito num grupo de pesquisa, o que faz com que professores e instituições, mas também editores, se preocupem com o tema.

A partir deste ano de 2018  a SciELO passou a adotar, em combinação com o identificador ORCID, a Taxonomia CRediT, que arrola 14 categorias de papeis, a fim de indicar, de forma transparente, quem fez o quê no trabalho.

Dois exemplos desse emprego, cujo uso vem-se ampliando: a indicação da contribuição de cada autor na Cell  e na PLOS One.

Mais perguntas sobre a autoria? Algumas respostas  na aba Para os trabalhos acadêmicos e também na aba As boas práticas em Linguística-UFRJ/Maria Carlota Rosa