A variação linguística na relação língua-espaço: a dialetologia

Uma área dos estudos linguísticos já com longa tradição é a dialetologia, “ramo dos estudos linguísticos que tem por tarefa identificar, descrever e situar os diferentes usos em que uma língua se diversifica, conforme sua distribuição espacial, sociocultural e cronológica” (Cardoso, 2010: 15; 197).

Quanto ao Brasil, costuma-se atribuir a Domingos Borges de Barros (1780-1855), Barão e Visconde de Pedra Branca, o papel pioneiro nos estudos dialetológicos, em razão da contribuição ao famoso Atlas ethnographique du globe, de Adriano Balbi (1782-1848), a pedido deste como registrado por Balbi (1826: 172 – tradução da Prof. Suzana Cardoso, 2010: 38):

O senhor barão de Pedra Branca, ministro de S. M. o Imperador do Brasil na corte de França, de cuja amabilidade nos servimos para ter informações sobre as diferenças que o dialeto brasileiro poderia apresentar comparado à língua de Portugal, teve a gentileza de nos transmitir as observações seguintes. Mister se faz salientar que essas observações procedem de um literato que goza, por justa razão, seja no Brasil, seja em Portugal, da reputação não somente de ser um poeta de nome, mas ainda de ser um homem igualmente versado nos diferentes ramos da economia civil e política

O barão não era um estudioso de diferenças linguísticas entre regiões onde o português é falado; fez apenas observações de usos de que tomara conhecimento, inicialmente comparando a índole portuguesa com a francesa refletida nas respectivas línguas (Balbi, 1826: 172 – novamente na tradução da Prof. Suzana Cardoso, 2010: 38):

“As línguas mostram os costumes e as características dos povos. A língua dos portugueses se ressente de seu caráter religioso e belicoso; dessa forma, as palavras honesto, galante, beato, bizarro etc. têm uma significação bem diversa daquela que têm em francês. A língua portuguesa é pródiga em termos e frases para exprimir movimentos rápidos e ações fortes. Em português golpeia-se com tudo; e quando o francês, por exemplo, tem necessidade de acrescentar a palavra coup à coisa com a qual golpeia, o português o exprime simplesmente com o nome do instrumento. Diz-se em francês, un coup de pierre, em português, uma pedrada; un coup de couteau, uma facada etc.”

A diferença entre o português no Brasil e em Portugal se resumiu a duas pequenas listas de palavras. A primeira, oito nomes cujo significado teria mudado no Brasil (Balbi, 1826: 173):

Segundo Barros, babado em Portugal seria apenas ‘com baba’ , não um tipo de enfeite de roupas; tope, um ‘obstáculo’ (significado já presente na primeira edição do Moraes), mas no Brasil, um ‘ramalhete’. Quanto a sótão, Raphael Bluteau registrara a variação já em Portugal: significaria um lugar subterrâneo no Alentejo. Chacota tem ambas as significações na primeira edição do Moraes.

A segunda lista seriam nomes em uso no Brasil, mas desconhecidos em Portugal. Nela Barros incluiu balaio, já presente em Bluteau. No Moraes, chácara (ou chacra) era o equivalente brasileiro a quinta em Portugal, mas no Rio de Janeiro, porque na Bahia seria roça; em Pernambuco, sítio.

Escrever este texto me fez lembrar, com saudade, da Prof. Suzana Alice Cardoso (1937-2018), Prof. Emérita da UFBa, grande nome dos estudos dialetológicos no Brasil. Geolinguística: tradição e modernidade é uma obra fundamental para todos os que se interessam por linguística.

Referências

BALBI, Adriano. 1826. Atlas ethnographique du globe. Paris: Rey et Gravier. t. 1. https://archive.org/details/introductionla00balb/mode/2up

BLUTEAU, Rafael.1712-1728. Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico …: autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes, e latinos; e offerecido a El Rey de Portugal D. Joaõ V. Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva. 8 v; 2 Suplementos. https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/vocabulario-portuguez-latino-aulico-anatomico-architectonico

CARDOSO, Suzana Alice. 2010. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo: Parábola.

MORAES SILVA, Antonio de. 1789. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1. ed. Lisboa, Simão Tadeu Ferreira 2vv.https://www.bbm.usp.br/pt-br/dicionarios/diccionario-da-lingua-portugueza-recompilado-dos-vocabularios-impressos-ate-agora-e-nesta-segunda-edi%C3%A7%C3%A3o-novamente-emendado-e-muito-acrescentado-por-antonio-de-moraes-silva/



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