“O idioma nacional é a língua portuguesa”

Com o título acima o jornal carioca Correio da Manhã de 16 de outubro de 1946 noticiava a decisão a que chegara a comissão nomeada pelo Presidente da República Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) por indicação do Ministro da Educação e Saúde Ernesto de Sousa Campos (1882-1970) sobre como denominar a língua majoritária no Brasil.

Conforme o disposto no Art. 35 da nova Constituição, promulgada em 18 de setembro daquele ano, a disputa acerca da denominação — se deveria ser língua portuguesa ou língua brasileira — seria decidida por uma  “comissão de professores, escritores e jornalistas”.

Em 8 de outubro o Ministro da Educação e Saúde dava posse aos membros da Comissão instituída por Decreto-Lei. Estavam presentes, de acordo com matéria no Jornal do Brasil do seguinte dia 9 de outubro:

  • Claudio Justiniano de Sousa (1876-1954), presidente da Academia Brasileira de Letras;
  • Herbert Moses (1884-1972), então presidente da Academia Brasileira de Imprensa;
  • Álvaro Ferdinando de Sousa da Silveira (1883-1967), Catedrático da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil;
  • José Carlos de Macedo Soares (1883-1968), embaixador, interventor no estado de São Paulo, presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro;
  • Francisco Borges Fortes de Oliveira (1886-?), General, então Diretor de Ensino do Exército; 
  • Levi  Fernandes Carneiro (1882-1971),  da ABL e fundador  da Ordem dos Advogados do Brasil;
  • Inácio Manuel Azevedo do Amaral (1883-1950), então Reitor da Universidade do Brasil;
  • Pedro Calmon (1902-1985), Catedrático da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, delegado do Brasil na Conferência Interacadêmica para o Acordo Ortográfico de 1945;
  • Pe. Augusto Magne, S. J. (1887-1966), Catedrático de Filologia Românica da Universidade do Brasil;
  • Júlio Nogueira, autor do manual premiado pela ABL  A linguagem usual e a composição;
  • Pe. Leonel Franca, S. J. (1893–1948), o tradutor da Ratio Studiorum da Companhia de Jesus de 1599;
  • Clóvis do Rego Monteiro (1898-1961),  Catedrático do Colégio Pedro II.

Faltantes, ainda segundo o Jornal do Brasil: Gustavo Capanema (1900-1985), Deputado; Gilberto Freyre (1900-1987), Deputado; Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), da ABL.

Instalada a comissão, Macedo Soares foi indicado para presidi-la, mas em razão de sua atividade em São Paulo, Pedro Calmon sugeriu que houvesse um vice-presidente. A escolha recaiu sobre Claudio de Sousa. Para relator foi eleito Sousa da Silveira.

A segunda reunião, na semana seguinte, em 15 de outubro, marcaria também o encerramento dos trabalhos e a divulgação do parecer da comissão, de autoria de Sousa da Silveira.

O documento tinha início com um breve histórico. Simplista: havia uma única língua autóctone antes da chegada dos portugueses e há uma única depois do triunfo de uma “civilização muito superior”:

Breve retrospecto histórico: Descoberto o Brasil pelos portugueses em 1500, tomada posse da terra em nome do rei de Portugal, e iniciada anos depois a colonização, a lingua portuguesa foi trazida para cá, e se foi pouco a pouco propagando. Encontrou-se, como era natural, com o língua dos indios; e, durante algum tempo, foi mesmo o tupi falado em maior proporção do que o português. Não tardou, porém, que se verificasse um principio linguístico que se tem reconhecido como verdadeiro: postas em contacto duas línguas, uma instrumento de uma civilização muito superior à civilização a que a outra serve, esta cede o seu terreno à primeira. Assim, o português, expressão de uma civilização mais adiantada, triunfou sobre o tupi. […]

É a lingua portuguesa aquela em que nós, brasileiros, pensamos; em que monologamos, em que conversamos, que usamos no lar, na rua; na escola, no teatro, na imprensa, na tribuna, com que nos interpela, na praça pública, o transeunte desconhecido que nos pede uma’informação; é, por assim dizer, a nossa língua de todos os momentos e de todo os lugares

O nome da língua oficial do Brasil deveria ser língua portuguesa, concluía a comissão:

Conclusão: À vista do que fica exposto, a Comissão reconhece e proclama esta verdade: o idioma nacional do Brasil é a Língua Portuguesa. E, em consequência, opino que a denominação do idioma nacional do Brasil continue a ser: Língua Portuguesa. Essa denominação, além de corresponder à verdade dos fatos, tem a vantagem de lembrar, em duas palavras  ̶   Língua Portuguesa  ̶  história da nossa origem e a base fundamental da nossa formação de povo civilizado.” (Brasil/Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Parecer da Comissão instituída nos termos do art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)

O documento pode ser lido na íntegra na Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas, volume 8 de 1947, p. 330-333.


Referências

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm

BRASIL/Ministério da Justiça e Negócios Interiores. 1946. Parecer da Comissão instituída nos termos do art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.  https://periodicos.fgv.br/rda/article/view/9853

CORREIO DA MANHÃ. O idioma nacional é a língua portuguesa. 16 de outubro de 1946, p. 2 https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=089842_05&pasta=ano%20194&pesq=&pagfis=33574

JORNAL DO BRASIL. Em respeito ao disposto no artigo 35, das disposições transitórias da nova Constituição. 9 de outubro de 1946, p. 7. https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_06&pasta=ano%20194&pesq=%22lingua%20portuguesa%22&pagfis=42451


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