LEMBRETE: Palestra sobre plágio HOJE no canal Youtube do Programa de Linguística (com tradução para Libras)

Neste 15 de maio de 2023, às 18h30, apresento a palestra “Plágio na Pesquisa Acadêmica“, parte das atividades de abertura do ano letivo do Programa de Pós-Graduação em Linguística, todas transmitidas pelo canal Youtube do PPGLinguística.

A divulgação saiu com um pequeno engano: em lugar de “Ética” leiam “Plágio”.


Canal: https://www.youtube.com/@ppglinguisticaufrj/streams


Veja a programação completa do evento em https://ppglinguistica.letras.ufrj.br/index.php/pt/eventos/277-eventos-2023-1/735-aberling-2023


Curso “Metodologia da Escrita Científica e Ética na Pesquisa” para baixar do site da COPPE-UFRJ

O Prof. Renan Moritz V. R. de Almeida, do Programa de Engenharia Biomédica da COPPE-UFRJ, disponibilizou material de um de seus cursos sobre Metodologia, mais especificamente sobre a escrita acadêmica, no site da COPPE-UFRJ. O curso teve ainda a participação da Prof. Sonia Vasconcelos, do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências  do IBqM-UFRJ.

Recomendo enfaticamente que se observe toda a parte do material que trata de como não transformar, ainda que involuntariamente, paráfrase ou resumo em plágio.

O material está em https://www.coppe.ufrj.br/pt-br/vida-academica/metodologia-cientifica


Não acabou…

Um encontro inesperado com Marcial

Fonte da imagem: Wikipedia. 
By Nabokov - Own work,
CC BY-SA 3.0,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3698368

Lendo sobre plágio encontrei várias referências ao poeta latino Marcial (Marcus Valerius Martialis, ? 38-104) como o autor da atestação mais antiga conhecida para plagiador com significado próximo ao atual.Esse emprego estaria nos Epigramas de Marcial, mais exatamente em I.52.

Até então, para mim, que não fui aluna de Português-Latim, Marcial era o autor a quem se atribuía uma expressão latina em grandes relógios de rua, para lembrar o peso da passagem do tempo (“Pereunt et imputantur“, algo como ‘passam e são contadas’), mas também de pequenos poemas que nos ensinaram palavrões e assemelhados em latim.

Um exemplo: Epigramas, VI.36
MENTULA tam magna est, tantus tibi, Papyle, nasus,
ut possis, quotiens arrigis, olfacere.

É interessante observar que a edição bilíngue latim-inglês no Archive.org traz esse epigrama, por exemplo, como vários outros considerados obscenos, traduzido não para o inglês, mas para o italiano.

Recentemente foi publicada uma edição bilíngue para o português que procurou adequar a tradução ao vocabulário empregado em latim (Marco Valério Marcial. Epigramas. Tradução, notas e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes. Cotia, Ateliê Editorial, 2017), comentada no Jornal da USP pelo Prof. Carlos Zeron.

Plágio e plagiador em latim

Os dicionários de latim apontam um significado bem distante do que imaginaríamos para plágio e para plagiador. A palavra plágio tem origem no latim plagium, ‘apropriação de escravos alheios’ (Corominas, 1983); plagiarius e plagiator referiam ‘aquele que rouba escravos alheios’ ou ainda ‘aquele que compra ou vende uma pessoa livre’ (Torrinha, 1942).

Em I.52 Marcial se queixa de alguém que roubara a liberdade a seus versos, que ele já libertara. O que se poderia fazer? Lançar a vergonha sobre o plagiador: “hoc si terque quaterque clamitaris, inpones plagiario pudorem” [‘Se gritar três e quatro vezes isso, envergonhará o plagiador’]. Para a compreensão dessa imagem de plagiador, que insere a propriedade intelectual na sociedade romana, difícil para um leitor atual, recomendo Biagioli (2014).

Referências

BIAGIOLI, Mario. 2014. Plagiarism, Kinship and Slavery. Theory, Culture & Society, 31(2-3): 65-91.

COROMINAS, Joan. 1983. Breve diccionario etimológico de la lengua castellana. Madrid: Gredos.

MARTIAL. Epigrams, with an English translation by Walter C. A. Ker.  London: William Heinemann; New York: G. P. Putnam’s Sons. 1919. p. 62-63. https://archive.org/details/martialepigrams01martiala/page/n5/mode/2up

TORRINHA, Francisco. 1942. Dicionário latino-português. Porto: Marânus.

ZERON, Carlos. 2018. Epigramas de Marcial: língua ferina e erotismo. Jornal da USP, 27/08/2018. https://jornal.usp.br/artigos/epigramas-de-marcial-lingua-ferina-e-erotismo/


Há tantos anos trabalhando com as turmas de calouros — isto é, alunos recém-saídos do Ensino Médio, iniciantes em linguística e na universidade —, decidi produzir e reunir pequenos textos que pudessem vir a aumentar o interesse desses jovens por linguística. Meu objetivo é, de um lado,  demonstrar que nosso trabalho é bem mais interessante do que a ideia generalizada de que apenas procuramos (ou deveríamos procurar) onde estão os erros numa frase — isto é, demonstrar que nosso trabalho não é (nem deveria ser) o reforço  para  o reducionismo de um mundo intolerante com a variação linguística; de outro,  aproveitar as expectativas positivas  em relação ao curso escolhido que se inicia. É essa a ideia do Meu Magazine de Linguística. Todos os textos estão reunidos em https://linguisticamcarlotarosa.wordpress.com/meu-magazine-de-linguistica/ .


Atualização de postagem: “Originalidade e plágio na produção acadêmica: questões de interesse na graduação e na pós-graduação”: como se inscrever

Como informado anteriormente, dia 12 de dezembro de 2022, de 14h30 às 17h, a Câmara Técnica de Ética em Pesquisa/CTEP-UFRJ promove um encontro cujo tema é o plágio. Será online.

Inscrições de 1 a 10 de dezembro de 2022 pelo link

https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfShWn2QFHvCfotjykcsGMoC8PwCWCyM4dyZLFccb9pF0y-cQ/viewform?usp=sf_link


2022: a pandemia ainda não terminou.

Evento online na próxima semana: “Originalidade e plágio na produção acadêmica: questões de interesse na graduação e na pós-graduação”

Dia 12 de dezembro de 2022, às 14h30, a Câmara Técnica de Ética em Pesquisa/CTEP-UFRJ promove um encontro cujo tema é o plágio. Será online.

Programação

Abertura: Profa. Denise Freire (PR-2), Profa. Gisele Pires (PR-1) e Profa. Sonia Vasconcelos (IBqM e CTEP)

Apresentação 1 – Prof. Renan  Almeida (COPPE e CTEP) – Originalidade e plágio na produção acadêmica  

Apresentação 2 – Prof. Edson Watanabe  (COPPE e CTEP) – A não-linearidade na reação de quem copia e é copiado

Apresentação 3 – Profa. Maria Carlota Rosa  (FL e CTEP) – Plágio no TCC, na dissertação e na tese:  níveis diferentes de gravidade?   

Moderadores: Profa.Cássia Turci (IQ e CTEP), Profa. Bianca Ortiz  (Coordenadora de Biossegurança do CCS e CTEP), Prof. José Roberto Lapa e Silva (FM e CTEP), Profa. Mariana Boechat (IBCCF e CTEP).

Considerações Finais – Prof. Danilo Oliveira (FF e CTEP)

Encerramento – Profa. Ariane Roder Figueira (COPPEAD, CTEP e PR-2)  

INSCRIÇÕES: tão logo abram, informarei por aqui.


2022 – E a pandemia não acaba

O feiticeiro e o feitiço: a procura de atalhos para o TCC (ou para a dissertação, ou para a tese)

Para concluir o curso de Letras na UFRJ, um aluno tem de fazer uma monografia ou trabalho de conclusão de curso, em geral referido como TCC. Em Letras como em outros cursos, na UFRJ como em outras instituições de ensino superior, há quem procure simplificar o processo; afinal, para que se perderia tempo com leituras, experimentos, com reuniões com o orientador, milhentas reescritas e consertos, se é possível comprar um trabalho? Bastaria pagar e as preocupações estariam terceirizadas.

A quantidade de endereços na internet de firmas que vendem monografias de qualquer área com entrega prometida em alguns dias ou semanas demonstra que esse é um mercado aquecido, embora ilegal, como já notara a OAB/ Ordem dos Advogados do Brasil em documento de 2010. A propaganda promete até que o trabalho estará livre de plágio, mas por um valor um tanto mais alto. E há ainda promessas de sigilo e confidencialidade; afinal, como ressalta o documento da OAB, ao depositar esse material na universidade para a conclusão de um curso, o concluinte estará apresentando um documento falso.

Vamos lá: quem poderia ter como emprego o desenvolvimento completo e simultâneo de vários projetos (no plural), em várias áreas de conhecimento, em poucos dias? Um especialista? Especialista em quê exatamente?

“Paguei para que um ESPECIALISTA o [o TCC] fizesse para ser mais rápido e mais elaborado. Todas as vezes que o trabalho voltava do orientador era que o tcc estava total plagiado.”

“eles entregam pra mim o mesmo trabalho que entregaram para vários alunos, pois a universidade me deu um feedback falando exatamente isso [….] E quando vamos contratar eles nos prometem trabalhos 100% originais autorais livres de plágio”.

E se fosse de fato um especialista na área que viesse a escrever o TCC? Possivelmente não haveria cópia do texto ou dos achados de outros pesquisadores, mas um problema continuaria presente: alguém receberia nota e créditos por algo que não fez.

As muitas reclamações expostas na internet indicam haver a percepção disseminada de que o plágio é algo que não se deve fazer; por outro lado, a compra de um trabalho para nota não parece ser encarada nem como má conduta acadêmica, menos ainda como ilegal. Os reclamantes se eximem de qualquer responsabilidade, porque, para eles, se houve algo errado foi o plágio, cuja culpa deveria ser imputada ao escritor fantasma que não cumpriu o que fora contratado.

A procura de atalhos para a publicação de artigos

A revista Pesquisa FAPESP de 16 de novembro de 2022 tocava num tema semelhante: as fábricas de artigos (ou papermills), “serviços ilegais que produzem trabalhos científicos sob demanda, frequentemente com dados falsos”. O tema surgia em meio a uma denúncia que levara uma das famosas revistas da editora Elsevier a retratar 47 artigos.


Ter o nome num trabalho significa que nos responsabilizamos pelo que está nele. Pode ser um artigo, um TCC, uma tese. Se o trabalho entregue é resultante do esforço não de quem o assina como autor, mas do esforço de outra pessoa — seja ela um amigo especialista no tema que escreve um trabalho original ou uma firma que pode até mesmo vender o mesmo trabalho para muitos clientes — em termos acadêmicos estamos diante de um caso de má conduta.

Pode haver consequências além do gasto de dinheiro? Sim, a começar por uma reprovação no curso, ou por uma retratação de trabalho publicado.


2022: A pandemia não acabou

Surge o “manuscrito refém”

Tomei conhecimento de que havia situações com um “manuscrito refém” lendo um artigo do número de março passado na Pesquisa FAPESP, intitulado Como sobreviver ao veneno das revistas predatórias.

Em resumo: a alegria de receber um email-convite para publicação, com nosso nome e demonstrando o interesse por um determinado trabalho que fizemos pode rapidamente transformar-se numa dor de cabeça se dizemos sim a esse canto de sereia.

A pressão para publicar acaba tornando a comunidade científica presa potencial para um tipo de negócio que vem crescendo porque parece ser bastante lucrativo: o das publicações predatórias. Essas publicações alardeiam uma reputação inexistente , baseada em métricas estranhas, conselhos científicos cujos membros podem nem mesmo saber da inclusão de seus nomes nessa lista (e seriam também eles cobrados caso peçam a retirada do nome) e numa revisão por pares também inexistente, adicionando a isso o informe aos interessados de que cobram APCs abaixo do mercado.

O que vem chamando a atenção é o que acontece caso o autor do trabalho, ao descobrir a má fama do periódico, se arrependa de ter submetido seu texto e peça que não seja considerado para a publicação. Isto é, ainda antes de o trabalho ter chegado a ser publicado, os editores passam a exigir uma taxa de retratação.

É só não pagar. Não é tão simples. A cobrança continuará. O texto será publicado à revelia do autor, que será cobrado, agora pela publicação. E aí vem mais coação: o texto não desaparecerá da revista (diferentemente do que acontece nos casos de retratação verdadeira, em que nada desaparece) se o autor não pagar algumas dezenas de dólares. Se o texto não desaparece, não pode ser publicado em outro lugar. Ou paga o resgate, ou o texto continua refém.

Para quem quiser conferir a narrativa de alguém que passou por esse tipo de situação: How I became easy prey to a predatory publisher.

Referências

CHAMBERS, Alan H. 2019. How I became easy prey to a predatory publisher. Science, May. 9, 2019. https://www.sciencemag.org/careers/2019/05/how-i-became-easy-prey-predatory-publisher

MARQUES, Fabrício. 2021. Como sobreviver ao veneno das revistas predatórias. Pesquisa FAPESP, 321: 8-9. março 2021. https://revistapesquisa.fapesp.br/como-sobreviver-ao-veneno-das-revistas-predatorias/


“A primeira impressão de seu texto é a que ficará para sempre. Fazemos revisão textual completa da sua tese”

Qual seria o problema com a situação no anúncio reproduzido no título acima, veiculado por uma empresa que presta esse tipo de serviço? Afinal, ao lermos um anúncio como esse entendemos que alguém receberá uma tese não muito bem escrita e, mediante pagamento, pontuará o texto corretamente, acertará a ortografia (o uso de s, ç, sc… ou de g e j, por exemplo). Poderá ainda fazer algumas sugestões que tornem frases ou parágrafos mais claros. Um amigo ou parente também poderia assumir esse papel. Até porque, quando já quase sabemos de cor o que escrevemos nossa capacidade para perceber que omitimos palavras, trocamos letras de lugar, inserimos vírgula no lugar de ponto não fica grande coisa.

Se o estudante não é nativo da língua em que tem de escrever o trabalho, essa ajuda é preciosa. É oferecida a estudantes estrangeiros por algumas universidades. A Universidade de Edimburgo (Reino Unido) é uma delas. O auxílio ao estudante não pode envolver, porém, o tema nem a argumentação. Em outras, como Oxford, o auxílio só é permitido se o trabalho tem mais de 10.000 palavras e não tem por objetivo demonstrar as habilidades linguísticas do aluno com relação ao inglês. Em resumo: permite-se um corretor linguístico, a depender ou não da extensão do trabalho, mas não se permite que alguém edite o texto, reescreva capítulos ou mesmo escreva capítulos.

Mas há quem não concorde nem com essa hipótese fraca da revisão.

Qual o problema, então?

A preocupação com a revisão tem por pano de fundo a pergunta “quem é o verdadeiro autor da tese/dissertação?” , preocupação perene das instituições de ensino, que ganha mais atenção quando ocorre algum fato que ultrapassa os muros da academia e ganha os noticiários.

Num artigo de 2006, o jornal britânico The Guardian , por exemplo, argumentava que havia uma linha tênue entre o plágio — i.e., o roubo de ideias alheias — e a revisão — i.e., o aprimoramento das ideias de alguém por meio da ajuda de terceiros. Afinal, se alguém se forma num país de língua inglesa deveria ser capaz de escrever em inglês sem o auxílio de outras pessoas. A conclusão do artigo é que aquele trabalho não é do aluno que receberá o grau.

Seria diferente se usasse o corretor ortográfico do editor de texto e usasse um tradutor automático? Seria necessário declarar na tese que não recorreu a estas ferramentas?

Referências, etc.

The University of Edinburgh. 2020. International applicants. Proofreading services. https://www.ed.ac.uk/studying/international/student-life/language-support/proofreading

University of Oxford. [s.d.]. Use of Third Party Proof-readers. https://academic.admin.ox.ac.uk/policies/third-party-proof-readers

McKIE, Anna. 2019. When does proofreading become plagiarism? The World University Rankings, 12Jun2019. https://www.timeshighereducation.com/news/when-does-proofreading-become-plagiarism

MATTHEWS, David. 2013. Is proofreading permissible?The World University Rankings, 15Aug2013. https://www.timeshighereducation.com/is-proofreading-permissible/2006547.article

THE GUARDIAN. 2006. Is proofreading plagiarism?, 6Apr2006. https://www.theguardian.com/education/mortarboard/2006/apr/06/isproofreadingplagiarism1

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Autoria não é presente

E se você descobrisse por um aviso automático do Research Gate, do Academia.edu, ou do Google que acaba de publicar um artigo e que sequer conhece o(s) coautor(es) do artigo?

Embora a pressão para publicar seja grande, ver o próprio nome num trabalho em que não  se teve participação e de que sequer se teve notícia não terá como reação um sorridente  “obrigada”. Muito pelo contrário.

É ingênua — para dizer o mínimo — a ideia de que somar ao lado do próprio nome um nome de destaque na área implica: (a) o aceite do trabalho; (b) mais uma linha no próprio lattes; (c) a felicidade do “agraciado” com um artigo sem gasto de tempo;  e (d) nenhuma consequência acadêmica e/ou profissional.

A reação pode vir em muitas etapas, dentro e fora da instituição. Uma delas é a comunicação do fato aos editores, e a quase certa retratação do trabalho. 

E o que seria uma linha a mais no lattes pode-se tornar o início da investigação sobre más práticas em todos os  trabalhos anteriormente publicados pelo pesquisador.

O “agraciado” leva o caso ao conhecimento dos editores porque é um mal-agradecido? Não fazê-lo o colocaria como cúmplice numa fraude. Tem de reagir à má conduta do autor de fato segundo as diretrizes de ética e integridade acadêmica — da instituição ou de fora dela.

Para exemplo de um caso recente, ver Wait, how did my name end up on that paper?, de Adam Marcus.

Referências

MARCUS, Adam. 2020. Wait, how did my name end up on that paper? Retraction Watch, 31Ag2020. https://retractionwatch.com/2020/08/31/wait-how-did-my-name-end-up-on-that-paper/

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Há um tempo atrás ninguém falava de retratação…

Tempo de leitura: 2 min

Se nos habituamos ao mundo acadêmico que tem como lema publish or perish, há um outro lado nesse  mundo para o qual Diniz & Terra (2014: 117) chamaram a atenção: “Nada mais constrangedor para o currículo de um pesquisador que ter uma coleção de artigos retratados“. Uma publicação retratada compromete o currículo de seu(s) autor(es), como comentamos anteriormente (Rosa, 2018: 63ss; neste blogue: Posso citar um trabalho que foi retratado? Parte 1;Posso citar um trabalho que foi retratado? – Parte 2 ).

Mas ninguém falava de retratação há um tempo atrás!

O número de retratações é bem maior agora que há 15 ou 20 anos, por exemplo: até o ano 2000 eram em média 100 ao ano (Brainard & You, 2018); mas em 2010 foram 5.190, em 2011, chegaram a 3.149. Desde então parece haver uma tendência de queda nesse número: em média em torno de 1.200 retratações de 2013 a 2018, com leves decréscimos e algumas oscilações, e uma grande queda, para 462, em 2019 (Retraction Watch Database).  Essa curva se reflete na área da Linguística, por exemplo: uma consulta a essa mesma base retorna um caso em 1996, outro em 2007, três em 2009; para 2010 e 2011 retorna, respectivamente, 27 e 9. A partir de então parece haver uma tendência de queda, havendo em 2019 apenas um caso.

A subida em 2010 se segue ao lançamento pelo COPE/ Committee on Publication Ethics, no ano anterior, de um guia para os editores de periódicos científicos de como lidar com as retratações. A versão atual, de 2019, do  Retraction Guidelines  pode ser baixada de https://publicationethics.org/files/retraction-guidelines.pdf.

A difusão de softwares para a detecção de plágio e para a detecção de manipulação de imagens são agora instrumentos para editores científicos. Por outro lado, autores de manuscritos a serem submetidos a um periódico têm mais consciência de diretrizes a serem seguidas no trabalho científico, uma vez que universidades e agências de fomento no país têm divulgado uma série de documentos a esse respeito. Alguns deles:


DINIZ, Débora & TERRA, Ana. 2014. Plágio: palavras escondidas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.


As citações por outro ângulo: o da ética

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A construção de indicadores quantitativos tem traduzido para as agências de fomento e as instituições de ensino a importância do pesquisador e do periódico em que trabalhos são publicados e tornou-se talvez o principal pilar para promoções na carreira e solicitações de diversos tipos de auxílios.

Nesse cenário de métodos bibliométricos, as tentativas de manipulação de indicadores começaram a se tornar fonte de preocupação. E levaram o COPE/ Committee on Publication Ethics a divulgar recentemente um documento que aponta práticas condenáveis relativas às citações (COPE, 2019). A preocupação também está presente na seção sobre Editor Roles and Responsibilities  do livro branco do Council of Science Editors, atualizado em 2018.  Em outras palavras: chama-se a atenção para o mau uso de citações.

Se parte do problema seria quer de iniciativa dos autores — a autocitação que tem por objetivo inflacionar o número de citações do próprio trabalho ou a troca de citações (ing. citation swapping) entre colegas — quer da iniciativa de pareceristas que solicitam a inclusão de citações de seus trabalhos, outras práticas estão ligadas à editoria de periódicos. Por exemplo,  no nível do periódico, a autocitação transforma-se em citação coercitiva (ing. coercive citation): a demanda da editoria do periódico aos autores (particularmente se no início da carreira) para que façam a inclusão de citações de trabalhos publicados naquela mesma revista a fim de que o texto submetido tenha mais chances de ser aceito. As citações solicitadas são desnecessárias e sequer  se indica para os autores da submissão que deficiências seria necessário rever lançando mão de textos (quais?) anteriormente publicados no periódico que está recebendo a submissão.

A citação honorária envolve a citação excessiva e desnecessária de nomes notáveis na área — como o editor da revista, por exemplo.

O empilhamento de citações (ing. citation stacking) diz respeito a um acordo entre editores de diferentes periódicos para que os textos publicados em cada um deles reúnam citações dos demais periódicos desse grupo.

Vale a pena participar desses esquemas?

Em outras palavras: deixar de lado a integridade na vida acadêmica ajuda o pesquisador ou editores? Certamente não e isto vale para qualquer momento da carreira.

Há seis anos atrás, em 2013, a empresa que detinha o Journal Citation Reports (JCR) acusou a prática de empilhamento de citações em quatro periódicos médicos brasileiros de longa tradição no país (Clinics, Jornal Brasileiro de Pneumologia, Revista da Associação Médica Brasileira Acta Ortopédica Brasileira) que haviam demonstrado grande melhora bibliométrica e os suspendeu do JCR por um ano. Todos os editores à época se defenderam da acusação, com argumentos sobre o cenário brasileiro de publicações nessa área específica e a necessidade de tornar os periódicos brasileiros mais atrativos. A biblioteca SciELO Brasil, de que os quatro periódicos fazem parte, determinou a retratação dos artigos em que os números revelados podiam ser interpretados como envolvimento nessa prática; já a CAPES/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior levou a punição para além dos editores e autores retratados: nenhum dos artigos publicados nesses periódicos entre 2010 e 2012 foi contabilizado na avaliação trienal da pós-graduação de 2013 (van Noorden, 2013), retirados todos do Qualis (FAPESP, 2013). Artigos já aceitos para a publicação foram retirados a pedido de seus autores.

 Although such behavior may result in a short-term gain, the strategy may not work in the long term (CSE, 2018: 13)


COPE – Committee on Publication Ethics. 2019. Citation Manipulation. COPE Discussion Document, Version 1: July 2019. https://publicationethics.org/files/COPE_DD_A4_Citation_Manipulation_Jul19_SCREEN_AW2.pdf 

CSE-Council of Scientific Editors/ Editorial Policy Committee. 2018. CSE’s White Paper on Promoting Integrity in Scientific Journal Publications. UPDATES: https://www.csescienceeditor.org/article/ethical-editor-recent-updates-to-the-cse-white-paper/

FAPESP.  2013. Punição para citações combinadas.  Revista Pesquisa FAPESP, 213. Nov.2013. https://revistapesquisa.fapesp.br/2013/11/18/punicao-para-citacoes-combinadas/

Fong, Eric A. & Wilhite,  Allen W. 2017. Authorship and citation manipulation in academic research. PLoS ONE, 12(12): e0187394.  https://doi.org/10.1371/journal.pone.0187394

Sampaio, Rafael. 2013. Índice internacional suspende revistas científicas brasileiras. G1/ Ciência e Saúde, 30Ago2013. http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2013/08/indice-internacional-suspende-revistas-cientificas-brasileiras.html

University of Alabama in Huntsville. 2012. Research ethics: Coercive citation in academic publishing.  ScienceDaily, 2 February 2012. www.sciencedaily.com/releases/2012/02/120202164817.htm 

Van Noorden, Richard. 2013. Brazilian citation scheme outed. Nature 500: 510-511. http://www.nature.com/polopoly_fs/1.13604!/menu/main/topColumns/topLeftColumn/pdf/500510a.pdf 


Citações e referências: posso citar a mim mesm@?

Eu ainda estava no Doutorado e numa conversa com o saudoso Carlos Franchi (1932-2001) no prédio da Praia Vermelha — onde tínhamos assistido a uma palestra do também saudoso Fernando Tarallo (1951-1992) —  ouvi do Prof. Franchi que não citava trabalhos dele mesmo. Aquela conversa ficaria na minha memória, junto com as palavras de Rodolfo Ilari na homenagem póstuma ao amigo: “a vontade de pesquisar com humildade” (Ilari, 2002: 87).

Tornei a lembrar-me dessa conversa por estes dias: um estudo sobre um corpus de 100 mil pesquisadores muito citados mostrava que 250 deles, em pelo menos 50% das vezes em que foram citados, haviam citado a si ou recebido citação de seus co-autores; em alguns dos casos, em 94% das citações.

Os tempos mudaram desde aquela conversa. Um pesquisador como o Prof. Franchi, cuja produção foi “altamente informal, tendo preferido a exposição em seminário ao impresso, e o working paper ao livro” (Ilari, 2002: 85), hoje seria forçado não só a publicar mais (o que nos faz lembrar da anedota de que Saussure atualmente não conseguiria lugar num programa de pós-graduação em Linguística porque não publicava — a respeito desse saussureano “horreur d’écrire”, ver Piller, 2013, texto já mencionado neste blogue), mas também a demonstrar o impacto de sua pesquisa pela contabilização de referências, de quantificação mais fácil que o respeito acadêmico e a influência sobre  alunos e colegas.

Ao  longo das últimas décadas aumentou o número de grupos de pesquisa e, em paralelo, houve aumento no número de trabalhos referidos num artigo, não importa de que área. Nas Ciências Sociais, por exemplo, se na década de 1960 o número médio de citações por trabalho estava um pouco abaixo de 10 títulos, em 2015 a média já chegava a 50 (Van Noorden, 2017). Em 2005 surgia o índice-h, uma medida do impacto das pesquisas que toma por base as citações. E assim as citações entraram no cv Lattes, passaram a pontuar pedidos de progressão na vida acadêmica…

Deixando de lado por enquanto os maus usos das auto-referências, em que situações citar/referir nosso próprio trabalho chega mesmo a ser necessário? Afinal, o mesmo estudo apontava 12,7 % como valor médio de auto-citações.

Em primeiro lugar, em razão da continuidade da pesquisa: se estamos voltando a material que já publicamos — e, como aconselha o Prof. Ataliba de Castilho, especialmente se mudamos de ideia em relação a trabalho que publicamos no passado — temos de referir o que publicamos anteriormente. Em segundo lugar, se utilizamos material nosso anteriormente publicado, para evitar acusações de autoplágio (COPE, 2019,Legitimate Reasons for Self-Citation). Este segundo motivo era desconhecido até bem pouco tempo  e nem mesmo sua denominação era encontrada em português.

Sobre autoplágio, neste blogue:
Autoplágio ou reciclagem textual -1 
Autoplágio ou reciclagem textual -2

[Post 1] [Post 2] [Post 3] [Post 4] [Post 5]


COPE/ Committee on Publication Ethics. 2019. Citation Manipulation. COPE Discussion Document, Version 1: July 2019. https://publicationethics.org/files/COPE_DD_A4_Citation_Manipulation_Jul19_SCREEN_AW2.pdf

Hirsch, J. E. 2005. An index to quantify an individual’s scientific research output.

Ilari, Rodolfo. 2002. Humildade na pesquisa para construir o futuro. Revista do GEL/ Grupo de Estudos Linguísticos do Esta do de São Paulo. Número Especial.  “Em memória de Carlos Franchi (1932-2001), 2002, nº 0. São Paulo: Contexto. p. 83-87 https://revistas.gel.org.br/rg/article/download/178/154 

Piller, Ingrid. 2013. Saussure, the procrastinator. Language on the Move, 30Out2013. https://www.languageonthemove.com/saussure-the-procrastinator/
Van Noorden, Richard. 2017.  The science that’s never been cited. Nature Briefing, 13Dez2017. https://www.nature.com/articles/d41586-017-08404-0
Van Noorden, Richard &  Chawla, Dalmeet Singh. 2019. Hundreds of extreme self-citing scientists revealed in new database. Nature Briefing, 19Ago2019

https://www.nature.com/articles/d41586-019-02479-7


Duas infrações à integridade acadêmica: cola e plágio

O texto a seguir, de Roberto Imbuzeiro Oliveira, pesquisador titular do IMPA/ Instituto de Matemática Pura e Aplicada, foi publicado no blog “Ciência & Matemática“, de Claudio Landim, também do IMPA e Coordenador da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).

O foco central é a cola, a cópia de respostas de outrem  durante um teste ou prova. No passado “outrem” (entidade que ocupa o lugar que deveria ser das fontes de pesquisa) era um colega de sala, um livro ou anotações com o conteúdo previsto para o exame; com o avanço da tecnologia, “outrem” pode agora ser um indivíduo bem longe do local da prova ou mesmo um site. Se ao invés de um teste ou prova temos um trabalho, o uso impróprio das fontes é tratado como plágio.

Oliveira, baseado em autores como McCabe (2005), ressalta a difusão desses comportamentos entre os estudantes dos diferentes níveis de ensino. E a dificuldade para mudar essa atitude. Até porque, como defende McCabe, a busca de mudança tem de vir do envolvimento da instituição e dos estudantes. Ambos difíceis.


Sobre a cola

Roberto Imbuzeiro Oliveira  – Pesquisador titular do IMPA

Segundo o psicanalista Luiz Alberto Py, o aluno que cola numa prova está angustiado por desconhecer a matéria. Essa opinião foi transcrita no Jornal O Globo de 17 de maio de 1990 em uma matéria que falava do suicídio de um aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Celestino José Rodrigues Neto, de 14 anos, fora pego com um livro aberto numa prova de Geografia. Sua mãe foi chamada pelo colégio e ouviu pelos autofalantes da escola o nome de seu filho e sua punição pela transgressão. O menino não se perdoou pela humilhação da mãe e tirou sua própria vida.

No chutômetro, diria que pelo menos 25% dos meus colegas de Ensino Fundamental e Médio colava regularmente. O número dos que colaram pelo menos uma vez por ano certamente era maior que 40%. Em geral, isso não era fruto de desespero: no máximo, o aluno sentia uma aflição mixuruca pensando na mãe braba com o boletim. Mesmo quem não colava, como eu, achava aquilo tudo natural e até engraçado.

(Parêntese em nome da honestidade: eu nunca colei, mas dei cola em algumas ocasiões. Devo ter subido no conceito dos meus amigos com isso, mas fico triste em pensar que algum professor meu pode estar lendo isto aqui.)

Na faculdade, as matérias ficaram mais difíceis e a cola, mais sofisticada. Meus colegas de turma eram excelentes alunos e quase todos estudavam bastante. Ainda assim, alguns trocavam informações durante os exames. Era como se fizessem a prova juntos! Alunos menos bons também colavam e plagiavam trabalhos. Inclusive, tirei zero num trabalho que um colega roubou da porta da sala do professor, copiou e devolveu pro lugar.

De repente, eu me vi vítima da cola e do plágio alheios. O jogo era mais sério: todo mundo ali era maior de idade e a expectativa era que uma boa performance naqueles cursos renderia oportunidades futuras. Havia gente que, sem vergonha aparente, conseguia um “up” no histórico com base na malandragem.

Do momento que eu fui prejudicado, deixei de achar a cola algo maroto e divertido. Daí para eu rever minhas ideias foi um pulo. A cola, o plágio e seus congêneres são, sim, trapaças e mentiras. É obrigação do estudante prezar pela própria formação e ter respeito pelos professores. Poucas coisas irritam tanto quanto descobrir a desonestidade de um aluno, mesmo que não seja meu. O caso do Colégio Militar continuou parecendo absurdo, mas, ao mesmo tempo, deixei de achar graça de quem colava.

O problema no Brasil e no mundo

Por alguns anos, minha descoberta me deu pretexto para falar mal daquele tipo chamado “o brasileiro,” aquele cara de quem, paradoxalmente, todo brasileiro fala. “O brasileiro” joga lixo no chão, fura a fila, suborna o guarda de trânsito e vaia o hino nacional alheio. Na certa “o brasileiro” também cola na escola e não acha nada demais dos filhos seguirem a tradição. Resolvi que era isso mesmo: nossa cultura ancestral de levar vantagem em tudo era a responsável por tantas trapaças.

Infelizmente, não era só isso mesmo. Pode até ser verdade que há um “tabu” maior com relação a cola e plágio em outros países. Ainda assim, as trapaças também são bastante difundidas no resto do mundo.

Há uma literatura acadêmica especializada nesse assunto. Donald McCabe, dos Estados Unidos, passou a vida estudando este tema. Sua conclusão é que a cola e o plágio são bem difundidos nos EUA e no Canadá, e os alunos não veem nada muito grave nisso [1]. Outros trabalhos corroboram esses estudos em outros países. Até um lugar como Cingapura, draconiano no combate ao chiclete, tem problemas parecidos no mundo dos alunos [2].

Esse quadro global quase faz com que eu me sinta o alienista de Machado de Assis: de repente sou eu que estou doido. Não cheguei a esse ponto, mas observo que a linha de trabalhos descrita acima também se preocupa em estudar o porquê dos alunos colarem. Para além dos estudantes que acham que colar “tá de boa”, vê-se que há os que não se sentem acolhidos no ambiente acadêmico e os que sentem que os honestos ficam para trás [3]. Certamente há nisso um quê de angústia do doutor Py, mas, ao invés de virar um drama ou tragédia, ela se resolve num cálculo racional: muita gente cola e isso parece valer a pena.

O que fazer a respeito?

O quadro acima também sugere uma saída racional para as trapaças acadêmicas. Por um lado, o aluno tem de ser acolhido. Por outro, as falcatruas têm de valer menos a pena. Mas qual é a receita? Entre passar a mão na cabeça – o que parece errado –, dar zero em quem cola – que não parece adiantar – e o Colégio Militar do Rio – que, ao menos em 1992, chegava a ser cruel –, não é fácil decidir o que fazer.

Como alguém que trabalha com saber e educação, meu sonho seria não alterar o comportamento dos alunos, mas sim seus sentimentos. Eu gostaria que cada aluno ouvisse da sua própria consciência que colar e plagiar é errado.

Um ex-aluno meu que é professor disse que perdoaria mais facilmente um estudante que o esmurrasse do que aqueles que pega colando. Eu não chego a tanto, mas entendo esse sentimento. O nome dele é angústia e ele atinge também quem ensina e cria saber.

Bônus: um “causo” esdrúxulo

Como este texto está meio depressivo, parece boa ideia fechá-lo com uma história engraçada. Talvez eu ainda ache graça nisso de vez em quando.

Eis o “causo”. Estava aplicando uma prova no IMPA. Na época não me preocupava em ficar em cima dos alunos 100% do tempo: era difícil imaginar pós-graduandos de um centro de elite colando. Por isso, como de costume, saí da sala e voltei várias vezes.

Numa dessas saídas, acabei passando um bocado de tempo numa cabine do banheiro. De lá escutei uma pessoa chegar ao mictório e depois, outra. Depois dos barulhos esperados, os dois entabularam uma conversa:

— E aí, cara? A prova tá difícil, né?

— É.

— Pois é, também achei.

— É.

Reconheci uma das vozes: era de um aluno fazendo a prova. A outra certamente era de outro estudante da mesma turma.

Depois de uma pausa, voltou o papo.

— As duas primeiras questões são fáceis, mas a 4 eu não sei…

— É…

Mais uma pausa — ou seria hesitação? — e o segundo aluno disse:

— Na 4, o que você tem que pensar é o seguinte: …

Caramba, dois mestrandos marmanjos estavam prestes a passar cola no banheiro!

Pensei em esperar mais dois segundos, abrir a porta da cabine de repente e pegar os dois no flagra. Isso me causou um incômodo físico: era estranho eu fazer isso sem nem lavar as mãos. Além do mais, havia o incômodo moral: eu podia ser benevolente e impedir que o erro deles se consumasse. Foi o que resolvi fazer gritando com eles lá do “trono”:

— OLHEM LÁ O QUE VOCÊS VÃO DIZER AÍ! O PROFESSOR TÁ ESCUTANDO VOCÊS!

Muito se fala do poder da palavra; naquele dia, aprendi que a minha palavra tem o poder de desintegrar alunos espertos. Ou pelo menos foi o que pareceu, já que, depois de eu falar, fez-se silêncio absoluto no recinto. Era como se ninguém jamais tivesse passado por ali.

Imagino que eles perceberam o bem que fiz, mas não sei se sentem gratidão. De um jeito estranho, acho que consegui ser a voz da consciência daqueles rapazes.

—-

[1] McCabe, D.. “Cheating among college and university students: A North American perspective,” International Journal for Academic Integrity,vol. 1, no. 1 (2005).

[2] Lim, V. K. G.; See, S. K. B.. “Attitudes Toward, and Intentions to Report, Academic Cheating Among Students in Singapore.” Ethics and Behavior vol. 11, no. 3 (2001).

[3] Norris, E. J.. “Academic integrity matters: five considerations for addressing contract cheating.” International Journal for Educational Integrity vol. 14, no. 15 (2018).


Oliveira, Roberto Imbuzeiro. Sobre a cola. In: Landim, Claudio. Blog “Ciência e Matemática, 18Jul2019. https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/sobre-cola.html

Autoplágio ou reciclagem textual – 2

Algumas situações em que um trabalho já publicado ganha nova publicação:

  • na tradução para outra língua;
  • na apresentação do trabalho para um público diferente.

Isso é problema?

Nenhum problema, mas a publicação anterior deve ser claramente indicada e, se for o caso, o novo editor deve ser avisado quando da submissão do manuscrito. Isso diminui as chances de publicação? Muito provavelmente. Mas é muito melhor do que ter um trabalho retratado.

E se for apenas a reutilização de porções de texto já publicado num novo texto?

Uma saída é tratar esses trechos como citação de trabalho anterior, com aspas e referência.

Mas se reapresentar um trabalho, no todo ou em parte, é autoplágio, se assim é não posso colocar meu manuscrito no meu blogue ou num servidor de preprints? Até a Scielo está construindo um repositório de preprints (que está no âmbito da questão mais ampla do acesso aberto)! 

Bom, aí complica, porque revistas têm políticas próprias, que podem ou não permitir essa prática. No que respeita a preprints, a Wikipedia arrolou vários periódicos com alto fator de impacto e apontou a política de cada um quanto a essa publicação prévia.


FAPESP. Aos 20 anos, SciELO planeja plataforma de preprints. Pesquisa FAPESP, 272. Out2018. https://revistapesquisa.fapesp.br/2018/10/22/aos-20-anos-scielo-planeja-plataforma-de-preprints/

Roig, M. 2010. Plagiarism and self-plagiarism: What every author should know Biochemia Medica,20(3):295-300. https://www.biochemia-medica.com/en/journal/20/3/10.11613/BM.2010.037

Wikipedia contributors, “List of academic journals by preprint policy,” Wikipedia, The Free Encyclopedia, https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=List_of_academic_journals_by_preprint_policy&oldid=899808896 .

[Parte 1] [Parte 2]


Autoplágio ou reciclagem textual – 1

Autoplágio é termo recente que vem sendo definido como a republicação de um trabalho no todo ou em parte, pelo autor, sem que se informe ao leitor da publicação anterior — em suma: apresenta-se como novo algo que não é novo. Daí a denominação alternativa reciclagem textual.

Pode causar estranheza considerar essa uma atitude censurável: afinal, plágio diz respeito a lançar mão do trabalho de outrem como se fosse próprio. Por que, então, reapresentar um trabalho próprio é considerado má conduta?

Esse comportamento é problemático se revela a intenção de inflacionar a produção no próprio cv, mas também se incorre em problemas ligados a copyright.

[Continua]

[Parte 1] [Parte 2]


A terceirização na avaliação por pares -2

A defesa da terceirização dos pareceres toma por base, em geral, a necessidade de treinamento nessa tarefa acadêmica. Se a questão é o treinamento de orientandos,  há formas mais eficazes. McDowellKnutsen, GrahamOelker & Lijek  apresentam o modelo implementado por uma professora  da University of California Santa Cruz, Needhi Bhalla, transcrito abaixo. Há também treinamentos online, como, por exemplo:

Já a não inclusão do nome do colaborador foi  justificada, na pesquisa, com argumentos como esconder dos editores que o parecerista convidado, ao nomear os colaboradores no parecer, demonstraria ter quebrado o sigilo da avaliação; mais estranho foi o argumento  de não haver um campo no formulário para incluir a colaboração.

O nome de quem escreveu ou teve co-autoria deveria receber créditos. Se alguém escreve um parecer mas outrem o assina, estamos diante de uma prática conhecida como autoria fantasma. Não é uma boa prática.

 


Template from Dr. Needhi Bhalla (UCSC) for peer review training using preprints

Assignment description

“Your assignment is to pick a cell biology preprint from biorxiv (http://biorxiv.org/collection/cell-biology) and review it. This assignment is due [DATE] [TIME], Please submit your review as a word document so that I can edit it.

I’ll assess, edit and grade your review. Afterwards, you will email your edited review to the corresponding author(s), cc’ing me on this email. Your grade is contingent upon submission of your review to the authors.

I’d like you to organize your review as follows:

Part 1. Summary (less than 500 words):

Write a brief overview of the author’s findings and provide a general assessment on the quality of the work: strengths and weaknesses.

Part 2. Detailed comments:

Address each of the questions below, providing specific examples to justify your comments.

  1. Significance 

    Does the author provide justification for why the study is novel and how their results will influence the field?

  2. Observation

    Are the author’s descriptions of the data accurate and are all key experiments and hypotheses covered? Are the author’s arguments logically and coherently made? Are counterbalancing viewpoints acknowledged and discussed? Are they sufficiently detailed for a non-expert to follow? Do they include superfluous detail?

  3. Interpretation

    Are the inferences supported by the observations? Do you agree? If not, what experiments would you need to see to be convinced? Please limit any requests for new work, such as experiments, analyses, or data collection, to situations where the new data are essential to support the major conclusions. Any requests for new work must fall within the scope of the current submission and the technical expertise of the authors.

  4. Clarity

    Is the manuscript easy to read and free of jargon, typos, and grammatical or conceptual errors? Is the information provided in figures, figure legends, boxes and tables clear and accurate? Is the article accessible to the non-specialist?

    Tips:

    It is important to provide a helpful review that you would want to receive. Critical thinking does not need to be negative to be convincing!

    Let me know if you’d like to consult with me about your choice of papers or have any questions.”

 


McDowell, Gary S. et alii. Co­reviewing and ghostwriting by early career researchers in the peer review of  manuscripts.  bioRxiv preprint first posted online Apr. 26, 2019; doi: http://dx.doi.org/10.1101/617373.

[Parte 1] [Parte 2]


A terceirização na avaliação por pares – 1

Três postagens anteriores (A avaliação por pares em discussão – Partes 1, 2 e 3) focalizaram a discussão que atualmente envolve diferentes possibilidades de implementação da avaliação por pares aberta. Todas as propostas em discussão reconhecem o tanto de trabalho que a atividade soma à já sobrecarregada vida acadêmica, mas consideram a figura o avaliador único.

Um artigo de Benderly no magazine Science, porém,  traz para primeiro plano uma prática obscura: a terceirização de pareceres, assinados por pesquisadores de ponta, mas escritos de fato por pesquisadores em início de carreira: pós-graduandos ou pós-docs.

[Continua]


Benderly, Beryl Lieff.  Early-career researchers commonly ghostwrite peer reviews. That’s a problem. Science/Taken for Granted, 6Maio2019.  https://www.sciencemag.org/careers/2019/05/early-career-researchers-commonly-ghostwrite-peer-reviews-s-problem

McDowell, Gary S. et alii. Co­reviewing and ghostwriting by early career researchers in the peer review of  manuscripts.  bioRxiv preprint first posted online Apr. 26, 2019; doi: http://dx.doi.org/10.1101/617373.

[Parte 1] [Parte 2]


Citações e referências: por que preciso disso?

Ao elaborar um texto acadêmico há algumas razões para fazer referência a outros textos.

  • Uma delas é situar a discussão do problema focalizado numa linha teórica e, assim, mostrar ao leitor em que propostas o trabalho se apoia.books school stacked closed
  • Ao fazer isso, também se demonstra o aprofundamento da pesquisa — ou não, caso as fontes  sejam apenas fontes não acadêmicas ou não haja fonte alguma.
  • Também se dá ao leitor a chance de buscar mais informação (e de confirmar o conteúdo de nossa própria referência).
  • Por outro lado, se uma ideia — ou um texto, gráfico, tabela … — não é minha nem faz parte do conhecimento comum tenho de dar crédito a quem de direito. Não fazer isso é incorrer em plágio*.

 

*
UFRJ. Diretrizes sobre integridade acadêmica.
MIT. Academic Integrity at MIT: A Handbook for Students

Há diversos estilos de apresentação das referências. Alguns deles:

[Post 1] [Post 2] [Post 3] [Post 4] Post 5]


Foto por Pixabay em Pexels.com

Posso citar a Wikipedia?

Há algum tempo dedico uma aula das minhas disciplinas a uma conversa sobre pesquisa e fontes confiáveis. Uma pergunta recorrente é “E a Wikipedia?“.

As fontes, isto é, onde vamos buscar informação, são um aspecto crucial de uma pesquisa. São fontes possíveis livros e artigos, mas também material disponível na internet, que podem incluir outras bibliotecas, blogues, dados governamentais, vídeos …. Estejam na internet ou numa prateleira da biblioteca, as fontes têm de ser avaliadas.

A internet como fonte

A internet pode ser fonte de pesquisa, mas ela não é como a biblioteca da universidade, nem como a bibliografia das diferentes disciplinas (neste blogue já houve diversas postagens que focalizaram a revisão por pares), além de exigir um tipo de cuidado desnecessário na biblioteca: 

o site que aparece na busca pode colocar a segurança do computados em risco.

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As obras de referência

Tradicionalmente a biblioteca distingue as obras de referência, aquelas que apenas consultamos para obter informação, como enciclopédias e dicionários, e aquelas que vamos não apenas consultar, mas ler, como artigos periódicos científicos, por exemplo. No tocante a obras de referência há aquelas que são gerais e as que são especializadas. A Encyclopedia of Language and Linguistics é uma enciclopédia especializada; a Wikipedia é uma enciclopédia geral.

A Wikipedia é uma enciclopédia livre, colaborativa. Qualquer pessoa pode escrever ou modificar um artigo da Wikipedia, seja ou não um especialista na área. Isso faz com que a qualidade dos artigos possa variar. Mais ainda: colaboradores podem incluir artigos absolutamente falsos, os hoaxes. Um exemplo famoso: The Bicholim Conflict, uma guerra entre portugueses e o Império Maratha no século XVII, contribuição à Wikipedia de um colaborador de nome  A-b-a-a-a-a-a-a-b-a (Lewis, 2014). A guerra nunca aconteceu, os livros na bibliografia referida não existem …

Mas não é preciso jogar fora o bebê junto com a água do banho…

A Wikipedia periodicamente supervisiona o material disponibilizado e mantém um registro dos enganos intencionais, que são apagados: Wikipedia:List of hoaxes on Wikipedia Quem atualmente procurar pelo artigo-hoax anteriormente mencionado encontrará a informação de que se tratava de um hoax e pode mesmo ver a imagem pública do artigo agora apagado: https://www.wikidata.org/wiki/Q21510193

Isso nunca aconteceria no papel! (Mesmo?)

A  inclusão de uma entrada fictícia nunca aconteceria em obras de referência mais canônicas? Não é bem assim.

Quem conhece a fotógrafa Lillian Virginia Mountweazel (1942-1973), cuja vida mereceu um artigo na The New Columbia Encyclopedia (New York: Columbia University Press, 1975)?

Mountweazel, Lillian Virginia, 1942-73, American photographer, b. Bangs, Ohio. Turning from fountain design to photography in 1963, Mountweazel produced her celebrated portraits of the South Sierra Miwok in 1964. She was awarded government grants to make a series of photo-essays of unusual subject matter, including New York City buses, the cemeteries of Paris, and rural American mailboxes. The last group was exhibited extensively abroad and published as Flags Up! (1972). Mountweazel died at 31 in an explosion.
William H. Harris and Judith S. Levey, eds,
“Mountweazel, Lillian Virginia”, The New Columbia Encyclopedia,
New York: Columbia University Press, 1975.

A biografia dessa figura fictícia foi intencionalmente inserida na obra, como forma de armadilha para violações de direito autoral.

E quem conhece a palavra inglesa esquivalience?

esquivalience —n. the willful avoidance of  one’s official  responsibilities … late 19th . cent.: perhaps .from French esquiver , “dodge, slink , slink away.” 

Esquivalience pode ser  considerada um mountweazel (sim, um neologismo criado a partir do sobrenome da Lillian com dois eles): uma entrada fictícia, criada como solução editorial  para a detecção de plágio e, portanto, tão intencional como um hoax do mundo digital.

Vale a pena ler o artigo de  Henry Alford para The New Yorker em 2005 com o título Not a Word.

Alguns embaraços decorrentes

O episódio de Bicholim gerou um livro (The Bicholim Conflict), que pode ser comprado sob demanda; de modo semelhante, um erro na leitura de um texto medieval português —  detectado por Carolina de Michaëlis de Vasconcelos (1895) — criara os cantos de ledino e essa leitura  levou Ernesto Monaci (1844-1918) a escrever um livro sobre algo inexistente (Cantos de Ledino tratti dal grande canzoniere portoghese della biblioteca Vaticana) .

Quanto a palavras criadas como armadilha para plagiadores de dicionários, a linguista Rochelle Lieber  (2010:  29) chamava a atenção para o fato de que essas fake words ou mountweazels podem ganhar vida: ela reporta 55300 retornos no Google em Dez2006 para esquivalience.  Deixava, então, no ar a pergunta:  o que inicialmente era um mountweazel não podia vir a tornar-se uma palavra real?

Posso citar ou não?

Citações, bem como referências, são menções ao  material pesquisado (as fontes) na elaboração de um texto acadêmico. A própria Wikipedia dedicou uma entrada a seu uso acadêmico: Wikipedia: Academic Use.  Nessa entrada há a seguinte observação:

Remember that any encyclopedia is a starting point for research, not an ending point. 

An encyclopedia, whether a paper one like Britannica or an online one, is great for getting a general understanding of a subject before you dive into it, but then you do have to dive into your subject; using books and articles and other higher-quality sources to do better research. Research from these sources will be more detailed, more precise, more carefully reasoned, and more broadly peer reviewed than the summary you found in an encyclopedia. These will be the sources you cite in your paper. There is no need to cite Wikipedia in this case.

Em resumo

As críticas e  as proibições a citações da Wikipedia (não à consulta)  em instituições de ensino estão fundamentadas em diferentes tipos de argumentos:  a confiabilidade das fontes empregadas na pesquisa, a profundidade do conteúdo, mas principalmente a formação do aluno como agente na construção de seu conhecimento, o que implica  a leitura de fontes primárias e secundárias e não apenas de resumos, por melhores que  estes sejam.

As enciclopédias gerais, como a Wikipedia, sempre foram um bom ponto de partida quando não se conhece nada sobre um tema. Um passo muito adiante desse tipo de obra é a enciclopédia especializada, com material escrito por profissionais de renome, rica nas referências de cada artigo, o que permite ao usuário partir para a busca de outras fontes.

À medida em que alguém se aprofunda num tema, a enciclopédia (como o dicionário) vai sendo deixada de lado.  “Posso citar a Wikipedia?” Talvez a questão seja outra: quando citar uma fonte que resume trabalhos?

[Post 1] [Post 2] [Post 3] [Post 4] [Post 5]


Alford, Henry. 2005. Not a Word. The New Yorker, 29Ag2005. https://www.newyorker.com/magazine/2005/08/29/not-a-word

Brown, Keith (ed.). Encyclopedia of Language and Linguistics (2nd Edition) .Boston: Elsevier, 2006. 14vv.

Lewis, Dan. 2014. The Bicholim Conflict. Now I Know, 28Fev2014. http://nowiknow.com/the-bicholim-conflict/ [página não mais disponível]

Lieber, Rochelle. 2010. Introducing Morphology. Cambridge: Cambridge University Press.

Vasconcelos, Carolina Michaëlis de. 1895. Uma passagem escura do “ Chrisfal”. In: Revista Lusitana , 3 (4): 347-362 http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/etnologia-etnografia-tradicoes.html

Wikipedia:List of hoaxes on Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:List_of_hoaxes_on_Wikipedia

Wikipedia: Academic use. https://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Academic_use


Posso citar um trabalho que foi retratado? – Parte 2

 

Um exemplo de problemas que podem surgir caso se decida sustentar a argumentação tendo como referência um trabalho retratado por má conduta.

Digamos que estamos às voltas com uma pesquisa sobre aspecto verbal e que fiquemos encantados com as conclusões de um artigo de 2013 na Psychological Science que afirmava que falantes de inglês, ao relatar experiências emocionais passadas com o uso do imperfectivo (como I was crying) ou do perfectivo (como I cried), demonstravam o quanto estavam próximos ou distantes afetivamente das memórias relatadas  —- e assim demonstrariam seu estado de humor e  de felicidade:

I propose that the aspect used in describing past emotional experiences can influence memory for them and thereby influence current mood and happiness. (p. 1)

I hypothesized that using the imperfective (vs. perfective) aspect to describe a pleasant past experience should more effectively reinstate the positive affect associated with that experience (and should result in a more positive mood). Likewise, I predicted that using the imperfective (vs. perfective) aspect to describe an unpleasant past experience would more effectively reinstate the negative affect associated with that experience (and should result in a more negative mood). [….] I hypothesized that using the imperfective aspect to describe an unpleasant past experience should reduce happiness compared with using the perfective aspect, and that using the imperfective aspect to describe a pleasant past experience should enhance happiness compared with using the perfective aspect. (p.2)

O trabalho chegou a ser citado diversas vezes e foi tema de uma coluna de jornal. Seria retratado algum tempo depois. Motivo alegado? Um aluno de graduação, não listado como autor, teria alterado  as respostas obtidas nos experimentos (Retraction Watch, 17Fev2017), para que elas confirmassem as hipóteses.

Se os dados são fabricados, que fazer com quaisquer  conclusões, a não ser descartá-las?

Além disso…

1. O estudante de graduação acusado de manipulação não é nomeado, nem como autor, nem nos agradecimentos. Segundo o autor único no artigo, o estudante só coletou dados e por isso não preencheria os critérios de autoria (mas ver neste blogue Na lista de autores ou nos agradecimentos?; A autoria múltipla: o primeiro, o último, só um “et alii”?).

Caso o estudante não preenchesse os critérios de autoria da revista,  teria de obrigatoriamente receber agradecimentos.  Estranhamente o artigo não tem qualquer seção de agradecimentos e, como notou um dos comentários na postagem da Retraction Watch, todo o texto está na primeira pessoa do singular (I analyzed, I used correlational procedures , I conducted four experiments ...).

2. Os problemas com o desenho dos experimentos foram objeto de comentário em Morey (2017); os resultados não foram confirmados  em Vera (2014).

Se os dados foram manipulados, vamos sustentar nosso trabalho com base em dados fabricados?


Referências

Hart, William. 2013. Unlocking past emotion: Verb use affects mood and happiness.  Psychological Science, 24, 19–26.  [Retratado em Psychological Science, 28(3) : 404. 2017]

Markman, Art.  2013. Language Changes Distance and Mood. The Huffington Post,  02/06/2013 https://www.huffingtonpost.com/art-markman-phd/language-changes-distance_b_2577109.html?ec_carp=6715025389107967054

Morey, Richard D. 2017. About that Hart (2013) retraction… Attention to detail is critical in peer review. https://medium.com/@richarddmorey/about-that-hart-2013-retraction-79cfdaea5cb0

Retraction Watch. 17Fev2017. Study about words’ effect on mood to be retracted after investigation finds evidence of data manipulation. https://retractionwatch.com/2017/02/07/study-words-effect-mood-retracted-investigation-finds-evidence-data-manipulation/

Vera, Juan Diego. 2014. Does Verb Use Affects Mood and Happiness? Florida State University. A Thesis submitted to the Department of Psychology in partial fulfillment of the requirements for graduation with Honors in the Major  http://diginole.lib.fsu.edu/islandora/object/fsu:204778/datastream/PDF/view

[Parte 1] [Parte 2]


Posso citar um trabalho que foi retratado? Parte 1

A retratação é um mecanismo para corrigir a literatura e alertar os leitores sobre publicações que contêm dados tão falhos ou errados que não se pode confiar em suas descobertas e conclusões. Dados não confiáveis podem resultar de simples erro  ou de má conduta na pesquisa.

COPE/Committee on Publication Ethics. Retraction guidelines.

A pergunta que abre esta postagem começa a ser mais ouvida, acompanhando o aumento no número de retratações, mesmo em Linguística: no início de janeiro de 2019, uma busca na Retraction Watch Database retornava 60 trabalhos retratados na área em razão de plágio, de duplicação, de problemas de autoria e mesmo de falsificação de dados.

Pode parecer estranho, mas trabalhos retratados continuam a ser citados, mesmo quando as retratações decorreram de casos de grande repercussão, como demonstraram Bornemann-Cimenti, Szilagyi, &  Sandner-Kiesling (2015), tomando para exemplo os 21 artigos retratados de Scott Reubencujas conclusões foram tão fabricadas quanto eram falsos os pacientes que formaram o universo da pesquisa inexistente.

O que fazer?

Vamos a um exemplo concreto, apresentado por um leitor de Retraction Watch (05/01/2018): parte da inspiração para a pesquisa viera de um trabalho posteriormente retratado. Houve a retratação, mas houve também uma influência positiva para o leitor que apresentou o problema. A recomendação do blogue foi a seguinte:

It’s perfectly fine to cite a retracted paper, as long as the retraction is noted. Ideally, the we’d suggest citing both the paper and the retraction notice, which (according to best practices) should have different DOIs. And you can check for retracted papers in our database.

Citar: é mesmo necessário?

Embora haja quem defenda que trabalhos retratados ainda assim podem ter partes citáveis, há aqui um problema. Em princípio, a retratação é uma decisão tão grave que, se o problema diz respeito a apenas um trecho do trabalho, em geral os editores preferem publicar uma nota de correção.

Se um trabalho foi retratado porque apresentou dados falsos ou dados fabricados, ele não serve de nada. Se foi retratado porque plagiou outro trabalho, que se vá ao original. Se os dados estão tão errados que não se pode confiar no que lá está, de novo: não serve de nada.

E se foi retratado por conta de uma briga de autoria, por exemplo? Melhor ler a nota de retratação com cuidado e discutir o caso com o orientador.

E se a nota é vaga e não dá para saber o motivo da retratação? Discuta com o orientador se vale a pena contactar a revista.


Referências

Bornemann-Cimenti, Helmar; Szilagyi, Istvan S. &  Sandner-Kiesling, Andreas. 2015. Perpetuation of Retracted Publications Using the Example of the Scott S. Reuben Case: Incidences, Reasons and Possible Improvements Science and Engineeng Ethics, Publ. online: 7Jul2015.

Retraction Watch, 05Jan2018. Ask Retraction Watch: Is it OK to cite a retracted paper? http://retractionwatch.com/2018/01/05/ask-retraction-watch-ok-cite-retracted-paper/

Retraction Watch Database.http://retractiondatabase.org/RetractionSearch.aspx?  

[Parte 1]  [Parte 2]


A “Dra. Anna Fraude”

Uma personagem fictícia, criada por quatro pesquisadores, materializou-se num spam enviado a 360 periódicos científicos.

 

Anna-olga-szust
Anna O. Szust   Wikimedia Commons File:Anna-olga-szust.jpg

Ela se candidatava a editora. Seu nome:  Anna O. Szust, uma brincadeira com a palavra polonesa oszust, ‘fraude’. O perfil criado para a Dra. Anna era fraco: basicamente a tese de doutorado  “Adult females’ (Homo sapiens) born during the spring season are more physically attractive” e capítulos de livros inexistentes  atribuídos a editoras inexistentes. 48 publicações caíram no embuste, sendo que uma  propôs a divisão  do lucro 60-40. O relato dessa experiência por seus autores:

Sorokowski, Piotr;  Kulczycki, Emanuel; Sorokowska, Agnieszka  Pisanski, Katarzyna. 2017. Predatory journals recruit fake editor.   Nature 543, 481–483 () https://www.nature.com/news/predatory-journals-recruit-fake-editor-1.21662


2 – Erro, dados falsos … e a avaliação por especialistas?

Como um artigo pode apresentar  dados não confiáveis, não importa a razão,  se, ao ser submetido a um periódico, é encaminhado para análise de mais de um parecerista, todos especialistas na área do trabalho?

Primeiramente porque não se espera a má conduta de um cientista. Nas palavras do Prêmio Nobel de Medicina em 1975, David Baltimore, In science, we assume that a colleague is trustworthy and only in extreme do we doubt it (MIT News, 2002).

A confiança no colega expressa por Baltimore 
é, nesse caso, mais que retórica. 
Durante todo o processo de falsificação de dados 
movido contra Thereza Imanishi-Kari, 
em sequência à publicação em 1986 
de artigo na revista Cell em coautoria, 
ele a defendeu. Imanishi-Kari havia sido denunciada 
pela então pós-doutoranda Margot O'Toole 
que trabalhavam em seu laboratório.
Ao final de um longo processo de cerca de dez anos,  
Thereza Imanishi-Kari foi inocentada.
(Kleves, 1996)

Para Marisa Palácios, do  Conselho Nacional de Saúde/ Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e primeira Coordenadora da CTEP-UFRJ,

a honestidade é pressuposta. É princípio básico do Direito, todos são inocentes até prova em contrário. Isso significa que independente da concepção filosófica que nos oriente, se há uma natureza humana e se ela é boa ou má, se dizer a verdade é um requisito ético para qualquer comunicação científica (código de ética do cientista independente da formalidade disso), então temos razão em dizer que podemos pressupor que todos dizem a verdade. (Comunicação pessoal, 21/07/2015)


Um exemplo de como pode  ser difícil para um parecerista detectar um problema 

Scott Reuben (n.1958), anestesiologista no Baystate Medical Center (BMC-  EUA).

  • Em 2005 ganhou bolsa de US$ 75.000 da Pfizer para estudar o Celebrex (um antiinflamatório que, no Brasil, é vendido como Celebra).
  • Em 2007, editorial de Anesthesia & Analgesia  afirmava que Reuben estava na “forefront of redesigning pain management protocols” e caracterizou seus estudos como  “carefully planned” e “meticulously documented” .

En mayo de 2008, se inició una auditoría interna dentro del BMC, cuando se descubrió que el investigador no había solicitado permiso al Comité Ético Asistencial del hospital para la realización de algunos de los estudios referidos. Como consecuencia de dicha auditoría, el Dr. Scott S. Reuben reconoció finalmente, que los resultados aparecidos en 19 de sus estudios y 2 resúmenes publicados [….], no eran consecuencia de la aplicación de los tratamientos a pacientes reales, sino fruto de su invención y que los datos eran de su responsabilidad exclusiva.

Además de adulterar datos, el Dr. Reuben parece haber cometido falsificación en la publicación, ya que algunos coautores como el Dr. Evan Ekman, cirujano ortopédico, dijo que su nombre apareció como coautor en al menos dos de los artículos de los que las revistas se han retractado, a pesar de que no había tenido ninguna participación en los manuscritos.  (Rama-Maceiras, Ingelmo Ingelmo, Fàbregas Julià & Hernández-Palazón: 2009)

  • Condenado à prisão em 2009 por fabricação de dados ao longo de 15 anos.

His research, which was published in a medical journal, has since been quoted by hundreds of other doctors and researchers as “proof” that Celebrex helped reduce pain during post-surgical recovery. There’s only one problem with all this: No patients were ever enrolled in the study! (Adams, 2010)

  • Quando eclodiu o escândalo, seus trabalhos tinham recebido cerca de 1200 citações.

Retirar a confiança do processo é também atribuir aos pareceristas (e editores, e leitores) um papel que eles não têm, porque “neither the peer reviewers, nor the editors, nor the readers were there as witnesses, so it is up to the authors to certify what took place (Gunsalus & Rennie, 2015).


Referências

Adams, Mark. 2010. Big Pharma researcher admits to faking dozens of research studies for Pfizer, Merck (opinion). Natural News, 18Fev2010.  http://www.naturalnews.com/028194_Scott_Reuben_research_fraud.html#ixzz3g9SYCFAa

Gunsalus, C. K.  & Rennie, Drummond  [2015]. “If you think it’s rude to ask to look at your co-authors’ data, you’re not doing science”: Guest post. Retraction Watch. <http://retractionwatch.com/2015/06/18/if-you-think-its-rude-to-ask-to-look-at-your-co-authors-data-youre-not-doing-science-guest-post/>

Kleves, Daniel J. 1996. The assault on David Baltimore. The New Yorker, 27Maio1996.  http://web.mit.edu/chemistryrcr/Downloads/Baltimore.pdf

MIT News. 2002.  Trust essential in scientific collaboration, says David Baltimore. 22Fev2002. http://news.mit.edu/2002/baltimore

Rama-Maceiras, P. , Ingelmo Ingelmo, I. , Fàbregas Julià, N. & Hernández-Palazón, J. 2009. Algología fraudulenta. Un dolor demasiado profundo para una adecuada analgesia. Revista Española de Anestesiología y Reanimación  56: 372-379, 2009. <http://www.elsevier.es/es-revista-revista-espanola-anestesiologia-reanimacion-344-linkresolver-algologia-fraudulenta-un-dolor-demasiado-90211771 >

Vasconcelos, Sônia M. R. 2007. O plágio na comunidade científica:questões culturais e linguístcas.  Ciência e Cultura, 59 (3): 4-5 Jul/Set. 2007.  http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v59n3/a02v59n3.pdf

[Parte 1] [Parte 2] [Parte 3]


1- Simples erro ou má conduta? A publicação que compromete o currículo

 

Nada mais constrangedor para o currículo de um pesquisador que ter uma coleção de artigos retratados.

Assim Diniz & Terra (2014: 117) fazem referência ao efeito da retratação de um trabalho no currículo de um pesquisador.

Como no seu emprego mais comum, a palavra retratação  significa uma declaração de erro, um desmentido em relação a algo dito anteriormente. No sentido especializado com que é empregada no mundo acadêmico, é uma declaração de erro grave num trabalho já publicado.

A retratação é um mecanismo para corrigir a literatura e alertar os leitores sobre publicações que contêm dados tão falhos ou errados que não se pode confiar em suas descobertas e conclusões. Dados não confiáveis podem resultar de simples erro  ou de má conduta na pesquisa.

COPE/Committee on Publication Ethics. Retraction guidelines.

O trabalho tem erro grave

O erro acidental, sem má fé, pode ocorrer por várias razões, que podem incluir a inabilidade na análise dos resultados ou mesmo a má qualidade do equipamento  empregado na coleta de dados (não se trata aqui  do erro que não resulta de engano; ver, por exemplo,  Practices of Science: Scientific Error).

Quando um autor ou grupo de autores se dá conta de um erro nos resultados ou na sua interpretação em um artigo já publicado, é de sua responsabilidade procurar o editor do periódico em questão e submeter uma retratação. Tal ato evidencia um forte senso de rigor e ética, uma vez que as consequências de uma retratação para o pesquisador, sua instituição e para o próprio periódico não são de todo positivas. De fato, por temer tais consequências muitos preferem abster-se e deixar o artigo cair no esquecimento. Contudo, quando se trata de admitir um erro honesto, o ato de retratar-se deveria dar crédito ao autor. (Nassi-Calò, 2014)

Face à carga negativa associada à retratação para todos os envolvidos no processo, alguns editores têm optado por apresentar uma “nota de correção” do trabalho, como observa  Hilda Bastian, e não uma retratação (in Brainard & You, 2018), nos casos de erros.

Entende-se por má conduta científica toda conduta de um pesquisador que, por intenção ou negligência, transgrida os valores e princípios que definem a integridade ética da pesquisa científica e das relações entre pesquisadores [….]. A má conduta científica não se confunde com o erro científico cometido de boa fé nem com divergências honestas em matéria científica. (FAPESP, 2011)

A má conduta, segundo Nassi-Caló (2014), vem sendo a principal causa de retratação, afirmação confirmada no conjunto de histórias na Science lançado no último dia 25 de outubro em conjunto com a base de dados da Retraction Watch. Entre as condutas condenáveis mais frequentes nos dados dessa base surgem o plágio e o auto-plágio, as imagens falsas, processo de revisão por pares comprometido pela presença do autor como parecerista de seu trabalho e ainda autoria falsa e, em trabalho com seres humanos, a falta de aprovação de um CEP/ Comitê de Ética em Pesquisa.

Uma retratação pode levar a outras retratações, porque uma vez detectado algo tão grave que leve à reprovação pública de um trabalho, em especial nos casos de má conduta, as publicações prévias daquele(s) autor(es) podem ser reavaliadas. No  Japão, por exemplo,  a reavaliação pode recuar até a tese, como se depreende do comentário do Prof. Iekuni Ichikawa:

From my extensive personal experience serving as a member of misconduct investigation committees, both funding agencies and institutions mandate that committees investigate not just the papers initially flagged as potentially problematic, but that investigators often look deep into publications during early stages of a research career.  In the case of Haruko Obokata of the STAP cell scandal, investigations led to the revoking of her PhD based on plagiarism found in her thesis. (Retraction Watcht)

A má conduta na pesquisa pode-se dar de modos diferentes e em estágios diferentes do trabalho. Esses modos foram resumidos na sigla FFP, iniciais das palavras Fabricação, Falsificação e  Plágio. A má conduta não é um problema apenas do autor de um artigo: ela chama à responsabilidade também sua instituição.

Este tema ainda é relativamente novo no meio acadêmico brasileiro. Mas as mudanças nesse cenário estão ganhando velocidade.

Um cenário em mudança no Brasil

Num artigo de 2007, Sônia Vasconcelos citava o editor de Cadernos de Saúde Pública, Carlos Coimbra, que, num editorial sobre  plágio ainda na década de 1990, afirmava:  “no Brasil pouco se fala sobre plágio em ciência. Isto certamente decorre menos da ausência do problema no país do que da falta de iniciativas para aprofundar essa discussão.” Esse quadro começaria a mudar cerca de uma década e meia mais tarde, com integridade e ética em pesquisa ganhando lugar na agenda do MEC e das agências de fomento.

Num âmbito mais restrito, que diz respeito aos procedimentos 
que podem levar algum nível de risco aos participantes
numa pesquisa com seres humanos,  
em 1988 o Conselho Nacional de Saúde/CNS 
propunha que fossem criados comitês de ética:
em "toda instituição de saúde credenciada 
pelo Conselho Nacional de Saúde na qual se realize 
pesquisa deverá existir: I – Comitê de Ética, 
caso se realize pesquisas em seres humanos" 
(Resolução N° 01/88 Art. 83).
O CNS aprovaria em 1996 outro documento, a Resolução N°196/96,
com diretrizes e normas regulamentadoras 
de pesquisas envolvendo seres humanos, revisada pela 
Resolução Nº 466/12 .

Em mudança na UFRJ

  • No âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro/ UFRJ, em agosto de 2012, ainda na gestão da Professora Débora Foguel como Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, começava a tomar forma a CTEP/ Câmara Técnica de Ética em Pesquisa, que seria aprovada cerca de um ano depois, em 2013 (Portaria nº 8645 , de 30 de julho de 2013) e  instalada pelo Reitor Carlos Levi em 24 de agosto de 2013.
  • Atualmente a CTEP é coordenada pela Prof. Sonia Vasconcelos (IBqM).
E o que faz a CTEP-UFRJ?
O objetivo da CTEP é promover o desenvolvimento da ética 
em todas as etapas da pesquisa realizada na UFRJ 
desde a elaboração do projeto, a captação dos recursos, 
condução, comunicação e impacto sócio-ambiental, 
propondo políticas e ações educativas

Neste panorama global, a responsabilização nas atividades científicas e a confiança pública na ciência são hoje consideradas aspectos cruciais no âmbito da governança em ciência, tecnologia e inovação (C,T&I). [….] Do ponto de vista institucional, crescentes esforços têm sido empregados por instituições de diversos países para estimular a integridade acadêmica, bem como para identificar e prevenir a má conduta na pesquisa. Problemas como a falsificação/fabricação de resultados e o plágio de idéias, dados e de qualquer produção intelectual alheia, como a cópia parcial ou total de textos, têm sido foco de atenção. Entretanto, a dimensão atual desse tema é extremamente ampla [….]. No contexto educacional, os impactos da discussão mundial sobre integridade científica estão diretamente associados à formação do jovem pesquisador e à qualidade da pesquisa comunicada aos pares e à sociedade. 

(Extraído de  CTEP. Integridade em Pesquisa)

Uma instituição de ensino e pesquisa precisa de estar preparada 
para lidar com os conflitos que infelizmente ocorrem 
e que envolvem a pesquisa. 
Sua administração precisa de ter, 
por exemplo, uma política para lidar com denúncias de má conduta.

Um conflito sobre quem tem direito aos dados coletados, 
uma acusação de roubo de projeto, de artigo, 
uma denúncia de que uma tese copia um ou mais trabalhos 
são problemas que podem tomar vulto, ultrapassar 
os muros do laboratório, do programa, os da Unidade e chegar 
ao Conselho de Ensino para Graduados/CEPG, no caso da UFRJ.

A CTEP-UFRJ é o escritório de assessoria especializada do CEPG.


Mas ... um conflito pode ultrapassar os muros da universidade, 
apesar de instâncias como a CTEP. 
Um exemplo famoso em que as consequências 
ultrapassaram em muito o laboratório ficou conhecido 
como o Caso Baltimore ou Caso Thereza Imanishi-Kari e foi tema 
de longo artigo de Daniel J.Kleves para The New Yorker.
Esse caso se arrastou entre 1986 e 1996, em sequência 
à publicação,em 1986, de artigo na revista Cell 
em que o Nobel de Medicina David Baltimore era um dos autores. 
A biomédica nascida em Indaiatuba, São Paulo, 
Thereza Imanishi-Kari, então no MIT, coautora no artigo, 
foi denunciada por falsificação de dados 
pela então pós-doutoranda Margot O'Toole,
que trabalhavam em seu laboratório.
Insatisfeita com as soluções intra-muros,
que não viram má conduta na supervisora, O'Toole conseguiu fazer 
o caso chegar a um congressista que tentava diminuir 
o montante das verbas de pesquisa nos EUA e que acionou
o Serviço Secreto contra Imanishi-Kari.  
Dez anos após a denúncia que deu início a um processo kafkiano  
(porque durante quase todo o processo a acusada 
não podia tomar ciência das 19 acusações 
movidas contra ela), Thereza Imanishi-Kari foi inocentada.


Na ficção é mais fácil.

Quem acompanhou o seriado de televisão Dr. House* 
pôde acompanhar o conflito entre a ética Dra. Allison Cameron 
e o colega Dr. Eric Foreman. 
Ele rouba um artigo da colega de equipe e o publica antes dela. 
Naquela bagunça de hospital todos sabem da má conduta, 
que passa a afetar o trato com os pacientes. Mas não há 
qualquer instância a que recorrer.
À beira da morte e depois de enterrar propositadamente 
uma agulha infectada na perna da Dra. Cameron, o Dr. Foreman
confessa o roubo do artigo (o que até então negara) 
e lhe pede desculpas. Ele não morre e ela o perdoa. 
Funciona na ficção, 
onde nem um único advogado entrou na história.
* House MD.2005. Euphoria - Part 2 (S 02, Ep. 21).

Plágio, fabricação e falsificação de dados não podem mais ser colocados em esquecimento no meio acadêmico. Comentários como aqueles a seguir, extraídos de  Vasconcelos et alii (2009),  talvez não surgissem mais nos resultados de um estudo, passados 10 anos (ênfase adicionada):

A student asked me to review her thesis. Sure, I was very happy to do so…It came to a point where I thought” I know this style… “And I went on reading…five, six pages from my own thesis! Had she copied that from someone else’s writing?…I’ve never met a situation like that; the really strange thing is that I talked to her thesis advisor, who considered the whole issue trivial …

 “I don’t care…a paragraph from my thesis… [a student copying] not the whole thesis…but some paragraphs, I don’t care…Materials and methods? [Students] always copy and paste from other students…


Referências

I Brazilian Meeting on Research Integrity, Science and Publication Ethics/ I BRISPE http://www.ibrispe.coppe.ufrj.br/port.php

CTEP/ Câmara Técnica de Ética em Pesquisa. Históricohttp://cpro16197.publiccloud.com.br/~ctep/index.php/ctep/historico 

CTEP/ Câmara Técnica de Ética em Pesquisa. Diretrizes sobre integridade acadêmica. http://cpro16197.publiccloud.com.br/~ctep/index.php/noticias/97-diretrizes-sobre-integridade-academica 

CTEP/ Câmara Técnica de Ética em Pesquisa. Integridade em Pequisa.  http://cpro16197.publiccloud.com.br/~ctep/index.php/subcamaras/integridade-em-pesquisa

Diniz, Débora & Terra, Ana. 2014. Plágio: palavras escondidas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

FAPESP/ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Código de boas práticas científicas. http://www.fapesp.br/boaspraticas/codigo_050911.pdf

HOUSE M.D. 2005. 2ª temporada. Direção: Bryan Singer. Intérpretes: Hugh Laurie, Robert Sean Leonard, Lisa Edelstein, Omar Epps, Jennifer Morrison, Jesse Spencer. Fotografia: Roy H. Wagner.[s.l.]: Universal Studios, 2006. 6 DVDs (1051 min), fullscreen, color.

Ichikawa,  Iekuni. 2018. When researchers from a particular country dominate retraction statistics, what does it mean? Retraction Watcht, 24Out2018.  http://retractionwatch.com/2018/10/24/when-researchers-from-a-particular-country-figure-prominently-in-retraction-statistics-what-does-it-mean/

Kleves, Daniel J. 1996. The assault on David Baltimore. The New Yorker, 27Maio1996.  http://web.mit.edu/chemistryrcr/Downloads/Baltimore.pdf

NASSI-CALÒ, Lilian. Os desafios da retratação: passar a literatura a limpo pode ser difícil [online]. SciELO em Perspectiva, 2014  https://blog.scielo.org/blog/2014/10/10/os-desafios-da-retratacao-passar-a-literatura-a-limpo-pode-ser-dificil/

OAB/ Ordem dos Advogados do Brasil/Comissão Nacional de Relações Institucionais do Conselho Federal/ Ricardo Bacelar Paiva. 2010. Proposição 2010.19.07379-01 – Proposta de adoção de medidas para prevenção do plágio nas Instituições de Ensino e do comércio ilegal de monografias. 

Practices of Science: Scientific Error. In: Exploring Our Fluid Earth.  https://manoa.hawaii.edu/exploringourfluidearth/physical/world-ocean/map-distortion/practices-science-scientific-error

Vasconcelos, Sônia M. R. 2007. O plágio na comunidade científica:questões culturais e linguístcas.  Ciência e Cultura, 59 (3): 4-5 Jul/Set. 2007.  http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v59n3/a02v59n3.pdf

Vasconcelos, Sônia M. R.;  Leta,Jacqueline;  Costa, Lídia;   Pinto, André Sorenson, Martha M. 2009. Discussing plagiarism in Latin American science. Brazilian researchers begin to address an ethical issue. EMBO Reports, 10(7), 677–682.  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2727439/

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