Língua ou dialeto?

Considerada em seu aspecto social, a definição de língua é complexa porque envolve mais que critérios estritamente linguísticos. A percepção dessa dificuldade levou o linguista Max Weinreich (1894-1969) a declarar que uma língua é um dialeto com um exército e uma marinha. Weinreich chamava a atenção para o iídiche, que, por não estar associado a uma nação, era considerado dialeto.

A frase é antiga, mas não a questão que levanta: uma língua deve estar associada a um espaço geográfico. Essa a razão de a  Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias, convenção adotada pelo  Conselho da Europa e em vigor desde 1998, ter deixado de fora  “as línguas não territoriais ou línguas desprovidas de território“. Essa questão é apontada logo no Art. 1º da Carta: “entende-se por “línguas não territoriais”, as línguas utilizadas por nacionais do Estado que se distinguem da língua ou línguas utilizadas pelo resto da população desse Estado mas que, embora tradicionalmente utilizadas dentro do território do Estado, não podem ser identificadas com uma área geográfica particular do mesmo“. Em outras palavras, “porque lhes falta uma base territorial”. E o Relatório explicativo traz dois exemplos: “Exemplos de línguas não territoriais são o Yiddish e o Romani”.

A afirmação de Weinreich foi reformulada por Stephen R. Anderson: uma língua é um dialeto com uma bandeira. Anderson relembrava o caso do  servo-croata, uma das línguas da extinta Iugoslávia.  Com o desaparecimento da Iugoslávia e o surgimento de  novos países (no que nos interessa, Sérvia, Crácia, Bósnia e Montenegro), o que era uma língua  ̶  o servo-croata  ̶  transformou-se em quatro novas línguas: sérvio, croata, bósnio e montenegrino. Quatro bandeiras em lugar de uma.

ANDERSON, Stephen R. 2012. Languages: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press.

CONSELHO DA EUROPA. Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias. https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/carta_europeia_das_linguas_regionais_ou_minoritarias.pdf

CONSELHO DA EUROPA. Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias: Relatório explicativo. https://rm.coe.int/16806d3606


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O “Dia Mundial da Língua Portuguesa”

Fonte da Imagem: Museu da Língua Portuguesa

Desde 2009 a Comunidade dos Países e Língua Portuguesa (CPLP) — uma organização intergovernamental que reúne países em que o português é falado — comemora o Dia Mundial da Língua Portuguesa. A CPLP é parceira da UNESCO /United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, e a UNESCO, em 2019 , proclamou essa data como “Dia Mundial da Língua Portuguesa”. E comemorará a data hoje, dia 6 de maio:

“Neste ano, o Dia Mundial da Língua Portuguesa será comemorado nas Nações Unidas com um evento organizado pela Missão Permanente do Brasil, em parceria com outros membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O evento, que marca a presidência rotativa do Brasil no grupo, será realizado na segunda-feira, 6 de maio. Pela primeira vez, o evento será realizado em língua portuguesa, em reconhecimento à importância e à riqueza cultural da comunidade lusófona. ” (https://www.unesco.org/pt/days/portuguese-language)

Não sei. Na internet é possível encontrar como resposta que a escolha da data homenageia o nascimento do político brasileiro Rui Barbosa — informação pouco crível, mas que melhora quando se busca quando nasceu aquela figura política: em Salvador, 5 de novembro de 1849. [Agradeço se alguém puder me dizer a razão.]

A fonte do equívoco parece ser a existência no Brasil de um Dia Nacional da Língua Portuguesa, instituído pela Lei 11.310/2006 : “É instituído o Dia Nacional da Língua Portuguesa a ser celebrado anualmente no dia 5 de novembro, em todo o território nacional.

Vimos anteriormente a discussão que levou o Rio de Janeiro a promulgar uma lei que instituía a denominação língua brasileira para o português falado no Rio de Janeiro (e a crítica de Mattoso Camara a esse ato legal). Na base dessa discussão estava a visão de que o português padrão de Portugal era a norma para qualquer país para onde o português fora levado durante a expansão do império; era o reconhecimento de que havia um único centro para a língua portuguesa; qualquer afastamento dessa norma não era mais português. O português era então compreendido como uma língua monocêntrica.

Essa situação mudou, como a data comemorativa da UNESCO e CPLP reconhece: o português é uma língua pluricêntrica. Uma língua pode ser classificada como pluricêntrica se (com base em Muhr, 2019):

  • ocupa territórios bem delimitados em pelo menos duas nações; é, portanto, uma língua compartilhada por mais de uma nação;
  • tem status de língua oficial;
  • há um único glossônimo para a denominação em cada região, com o reconhecimento de variedades regionais: português do Brasil, português de Portugal, português de Angola… O português é pluricêntrico, não cada uma de suas variedades nacionais;
  • é parte da identidade desses nacionais;
  • cada uma dessas nações produz normas regularizadoras, gramáticas e dicionários em razão de um grande número de falantes que ali habitam.

Lembramos aqui o clássico de Michael Clyne (1992):

O termo pluricêntrico foi empregado por Kloss (1978 II: 66-67) para descrever línguas com vários centros de interação, cada um fornecendo uma variedade nacional com pelo menos algumas de suas próprias normas (codificadas). As línguas pluricêntricas unem e dividem povos. Unem as pessoas pelo do uso da língua e separam-nas pelo desenvolvimento de normas e índices nacionais e de variáveis linguísticas com as quais os falantes se identificam. Eles marcam os limites do grupo (Barth 1969, Tajfel 1981) indicando quem pertence e quem não pertence a ele. As variedades nacionais podem ser vistas como símbolos de potencial conflito linguístico suprimido, uma vez que o desenvolvimento de uma língua Ausbau distinta não avançou [….]”.

CLYNE, Michael. 1992. Pluricentric Languages – Introduction. In: CLYNE, Michael (ed.).  Pluricentric languages: Differing norms in different nations. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, 1992.  p. 1-10.

MUHR, Rudolf. 2019. European pluricentric languages in contact and conflict – An overview . In: MUHR, Rudolf; ÁNGEL, Josep; CASTELLS, Mas & RUETER, Jack (eds.). 2019. European Pluricentric Languages
in Contact and Conflict
. Berlin: Peter Lang. p. 11-64.


Code-switching, code-mixing, translinguagem: “língua” a partir de diferentes pressupostos

 

Em comunidades não monolíngues os falantes podem transitar entre diferentes línguas. Alguns desses tipos de eventos são estudados na linguística como mudança (ou alternância) de código (ou em inglês: code-switching) e mistura de códigos.

            “Muitas vezes, no curso de uma conversa, a língua empregada muda sem que o falante bilíngue se dê conta: mudou o tema, mudou o contexto, ou se deu alguma alteração no grupo de participantes. Pode-se passar de uma língua a outra na mesma frase, algo como fui al cine last night (‘fui ao cinema ontem à noite’) — seria a mistura de códigos/ code-mixing. Pode-se passar de uma língua a outra entre frases — seria a mudança de código (Rosa, 2022: 69).

A visão para língua no pequeno excerto acima tem origem na tradição saussuriana: uma língua é um sistema, um tesouro depositado na mente de cada falante de uma comunidade, espaço que parece sempre ser monolíngue. Um falante bilíngue tem domínio de dois sistemas que são distintos e pode ficar num vaivém entre eles uma vez que seus interlocutores também dominem as mesmas línguas. E a parole? Seria outra linguística.

Ofelia García e Li Wei têm sido críticos dessa visão de que um falante fala a língua X, muda para a língua Y, volta para a X — isto é, alterna entre códigos bem definidos: afinal, X e Y são construções ideológicas, uma “invenção europeia”: “O inglês é considerado uma língua apenas em comparação com a existência de outras línguas, como o francês, o espanhol ou o chinês. Nenhuma destas línguas existe por si só e todas as línguas estão em contacto com outras – sendo influenciadas por outras e contendo elementos estruturais de outras” (García & Wei, 2014: 17).

O emprego de translinguagem (ing. translanguaging) entra em cena para “referir-se tanto às práticas linguísticas complexas de indivíduos e comunidades plurilingues, como às abordagens pedagógicas que utilizam essas práticas complexas” (García & Wei, 2014: 20). Se pensamos na proposta de Saussure, práticas linguísticas nos levam para a parole.

A translinguagem difere da noção de code-switching porque não se refere simplesmente a uma mudança ou vaivém entre duas línguas, mas à construção e ao uso, pelos falantes, de práticas discursivas interrelacionadas originais e complexas, as quais não podem ser facilmente atribuídas a uma ou outra definição tradicional de uma língua, mas que constituem o repertório linguístico completo dos falantes“(García & Wei, 2014: 22) . Nessa visão, o falante bilíngue não dominaria dois sistemas autônomos, duas línguas, mas um único sistema integrado.

Para Lüpke (2019: 478), a proposta de García & Wei levanta uma questão: não fica claro como lidar “com a contradição criada pelo fato de que em suas obras as línguas ainda são nomeadas e a linguagem é descrita através da nomeação das línguas que dela participam, embora tenham sido descartadas como inválidas.”

García, Ofelia, & Li Wei. 2014. Translanguaging: Language, bilingualism and education. Basingstoke: Palgrave Macmillan.

Lüpke, Friederike. 2019. Language Endangerment and Language Documentation in Africa. In: Wolff, H. Ekkehard (ed.). 2019. The Cambridge Handbook of African Linguistics. Cambridge: Cambridge University Press. 468-490.

Rosa, Maria Carlota. 2022. Uma viagem com a linguística. São Paulo: Pá de Palavra. https://linguisticamcarlotarosa.wordpress.com/wp-content/uploads/2022/09/viagem-com-a-linguistica.pdf


Esta postagem é parte do material para minhas turmas de Fundamentos da Linguística/ Linguística I e, como tal, se junta ao livro Uma viagem com a linguística, com acesso aberto nos formatos pdf e epub em https://linguisticamcarlotarosa.wordpress.com/sobre-2/  e aos materiais na aba “Protegido – Acesso Restrito – Graduação” neste site, cuja senha de acesso é divulgada na primeira aula do período.


Que língua você fala? Voltando ao tema

Quando estudamos em Saussure a noção de signo, vimos que o signo tem duas faces: o significado e o significante. A relação entre o significado e o significante é interna ao signo.

“A relação entre esses dois termos não é universal, porque se estabelece num dado sistema, e também não é natural, na medida em que não há um laço entre significante e significado que seja exigido por alguma razão na realidade circundante. Daí decorre que uma língua não é uma nomenclatura para um conjunto de conceitos universais e imutáveis. Uma língua não é uma nomenclatura, não é um conjunto de ideias preexistentes ligadas a uma expressão sonora: se assim fosse, bastaria trocar o significante para uma ideia na língua X pelo significante na língua Y e teríamos outra língua” (Rosa, 2024).

Sabendo disso, não deveríamos ficar surpresos se a pergunta “que língua você fala?” não for facilmente traduzível. Afinal, temos de levar em conta que traduzir não é tão simples quanto apenas trocar o significante.

Vimos anteriormente um exemplo dessa situação na surpresa de George W. Grace, que registrou sua experiência na Melanésia com falantes multilíngues, para os quais “nem sempre é possível especificar para determinados eventos de fala exatamente que idioma estava sendo empregado.” Seu trabalho de campo focalizava uma população que não podia ser “nitidamente dividida em falantes de X e falantes de Y, [….] que muitos são capazes de falar X e de falar Y e, além disso, de desempenhos verbais que se assemelham parcialmente a ambos, mas não pertencem totalmente a nenhum dos dois” (Grace,1992: 123-124) : “Se eu perguntasse a esses melanésios o nome de sua língua, eles não teriam uma resposta em mente. Se pressionados, talvez tivessem dado o nome de sua aldeia (Grace, 1992: 122).

Bruna Franchetto trabalhou com os kuikuru, população do Alto Xingu, em grande parte monolíngue. Novamente a dificuldade para uma pergunta que parecia tão simples: “que língua você fala?”:

“Se navegarmos rio acima, descobriríamos que ‘língua’ não pode ser traduzida inocentemente por nenhuma palavra ou expressão kuikuro. Examinando o conjunto das expressões dicendi (do dizer, um léxico metalinguístico), encontro três raízes, das quais vários verbos e nomes podem ser derivados, através da fascinante produtividade da morfologia dessa língua aglutinante: ki, aki e itagi.
Ki é raiz DIZER, que, quando verbo, pressupõe obrigatoriamente um destinatário que faz dizer (causa externa); quem diz é um experienciador, não um agente.
A tradução de aki como ‘língua’ ou ‘palavra’ é corriqueira, a partir do nominal possuído: -akisü, ‘palavra, língua de alguém’, que pode ser ouvida e entendida. De aki derivam, por acréscimo de diversos morfemas, palavras como: akinha, que traduzo com embaraço como ‘narrativa’; akitsuN, verbo com sentido de ‘discursar aconselhando’, do qual deriva, por sua vez, o nome akitsene (fala dos que podem aconselhar, orientar); akihalü, ‘contar avisando ou alertando’; akihanügü, ‘mostrar palavra, contar’; akiho, ‘falador, fofoqueiro’; akihekugijü, ‘falar manso, amansar’, e assim em diante.
Ao tentar capturar o significado de itagi, acabo traduzindo o verbo derivado itaginhuN- com ‘falar, conversar’. De qualquer maneira, os sentidos destes termos implicam (ou pressupõem), sempre, um ouvinte, uma audiência. E ainda temos iha, ‘mostrar (dizendo)’ e iga, ‘nomear, dar nome’” (Franchetto, 2020).

Referências

FRANCHETTO, Bruna. 2020. Língua(s): cosmopolíticas, micropolíticas, macropolíticas. Campos, 21(1): 21-36 jan.jun.2020. https://revistas.ufpr.br/campos/article/download/70519/pdf

GRACE, George W. 1992. How Do Languages Change? (More on “Aberrant” Languages)Oceanic Linguistics, 31(1): 115-130 (Summer, 1992). http://www.jstor.org/stable/3622968?origin=JSTOR-pdf

ROSA, Maria Carlota. 2024. Viagem com a linguística: um panorama para iniciantes. 2a. ed. (Não publicado).


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“A palavra é…”: matéria do JB documentava uma mudança linguística em andamento

Ilustração: Casal do século XIX, imagem gerada por IA (Wepik) em 1.12.2023.

Enquanto fazia uma pesquisa em jornais no acervo da Biblioteca Nacional, encontrei a matéria de página inteira do Jornal do Brasil (que os leitores chamavam JB) com o título acima (“A palavra é…”), publicada no sábado, 17 de janeiro de 1970 no Caderno B.  

O JB foi um jornal impresso carioca, existindo atualmente apenas como jornal digital. O B era o segundo caderno daquele jornal e tinha então colunistas como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Henfil, Marina Colasanti, Ziraldo.

Há 53 anos, folheando o JB

Nesse início de 1970 Diná Silveira de Queirós questionava o impedimento de mulheres serem do corpo de acadêmicos da Academia Brasileira de Letras. Elza Soares se apresentava na Sucata; Marlene, no Novo Teatro de Bolso. A coluna do Zózimo comentava com alguma ironia a sugestão de impedir a invasão de “nortistas” (isto é, de moradores da Zona Norte da cidade) às praias da Zona Sul pela implementação de sentido obrigatório e único Sul-Norte em todos os túneis da cidade. A montagem de arquibancadas na Presidente Vargas para o Carnaval começara (Sambódromo só 14 anos mais tarde) e dava nó no trânsito. Yustrich chegava ao comando do Flamengo; o Brasil ainda tinha João Saldanha como técnico para a Copa do Mundo de 70 no México. O bonequinho aplaudia Peter O’Toole e Katharine Hepburn em O leão no inverno (The Lion in Winter, de 1968), mas não o sucesso de bilheteria Butch Cassidy. O Teatro João Caetano apresentava Hamlet, com Walmor Chagas; no Opinião, Renata Sorrah era Antigona; no Teatro Nacional de Comédia, Procópio Ferreira fazia O avarento. O livro de Vassilis Vassilikos sobre o caso Lambrakis, Z, chegava ao Brasil pela editora Nosso Tempo, depois da premiação do filme homônimo de Costa-Gravas em Cannes no ano anterior. “Decididamente sábado é um dia fraco para quem quer ver algo [na tv] além das novelas habituais, ou de um dos filmes feitos especialmente para a TV“.

Com conteúdo produzido pelo Departamento de Pesquisa do JB, a primeira página do Caderno B do Jornal do Brasil de 17 de janeiro de 1970 questionava o emprego de senhora, esposa e mulher, discussão acalorada na época, surgida em decorrência de o então Presidente da República se fazer acompanhar de sua mulher nos muitos compromissos do cargo.

Ao dizer que o Presidente tinha a companhia de Cila (ou Scylla) Médici num dado evento, não seria desrespeitoso fazer a referência a ela como sua mulher, uma vez que o termo estaria carregado de conotações sexuais? Não seria de bom-tom em lugar de sua mulher dizer sua esposa ? Sua senhora?

Dizia o JB:

“Quando o General Emilio Garrastazu Médici assumiu as funções de Presidente da República, a imprensa logo percebeu que D. Cila, sua mulher, era uma companhia permanente. A esse tratamento — sua mulher — reagiram, de imediato, diversos setores da opinião pública, sob a alegação de que “o tratamento à mulher casada está sendo aplicado de maneira abusivamente errônea”.

O Departamento de Pesquisa do JB apresentou a citação de dois dicionários — o Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa (o dicionário Aurélio, do mesmo autor, só sairia em 1975) e o Caldas Aulete — e levou a questão a um time de cinco especialistas: Carlos Henrique da Rocha Lima, Adriano da Gama Kury, Antônio Houaiss, Célia Teresinha Oliveira e Jorge Manuel de Azevedo.

Para Rocha Lima, mulher é que deveria ser empregado: é o termo que está no Código Civil, o termo “menos carregado de conotações”. Senhora, por sua vez, seria uma “herança da linguagem dos trovadores galaico-portugueses”, em que o homem prestava vassalagem à amada — a forma preferida pela classe média, tratamento considerado mais polido que mulher no Brasil, mas não em Portugal. Esposa tem, na origem, a relação com o verbo latino spondere, ‘prometer em casamento’. Por essa razão esposa significaria nubente, não mulher casada, acrescentando que é como nubente que se deve entender a expressão “esposa de Cristo”. Reconheceu, no entanto, que já então ‘mulher casada’ era o significado prevalente para o vocábulo. Para Rocha Lima, empregar esposa fora da poesia, na linguagem coloquial seria tratamento que “se há de ter por intolerável, matizando-se, até, em razão do seu artificialismo, de um destoante ar provinciano”.

Adriano da Gama Kury comparou a ordem das acepções para esposa em alguns dicionários. No Caldas Aulete a primeira acepção para esposa é “a mulher que está justa para casar; noiva”; é como segunda acepção que surge “mulher casada (em relação ao marido)”. A mesma ordem de acepções no Morais. No dicionário de Mansur Guérios, porém, essa ordem se inverte, vindo “o que etimologicamente é o certo” em segundo. Embora recomende “o Presidente da República e sua mulher“, Kury constata que “o eufemismo esposa já tenha penetrado tanto que há uma tendência para colocá-lo no lugar de mulher quando se refere a pessoas de alta categoria social”.

Antônio Houaiss registrou a persistência, ainda que marginal, de senhora com o fechado (ô) a par com senhora com o aberto (ó). Rejeitou o uso de esposa: “é hipercorreção, ultra-urbanismo, eufemismo ou alternativa: não se sabendo se “é bem” dizer minha mulher ou minha senhora (vêem num o sexual, noutro o pretensial) diz-se minha esposa“. Chamou a atenção para as mudanças sociais e projetou um então distante ano de 2001, num novo século:

“Não foi sem surpresa que li um convite em que “você e seu amor estão convidados a …”; tradução binária: 1) marido + mulher; 2) homem + mulher; 3) mulher + marido; 4) mulher + homem; 5) ele + ele; 6) ela + ela. De futuro não será (ou já houve?) de estranhar convite assim: “Você e seu(s) amor(es) estão convidados a…” (ó sociedade tendencial e ostensivamente poligâmica, poliândrica e poligínica!); tradução: n-ária. Uma fase pensável mais além (2001?) será: “Você(s) e seu(s) amor(es) estão convidados a …”. Onde caberão mulher, senhora, esposa? Mas ainda haverá convites?”.

Célia Teresinha Oliveira, como Kury, chamava a atenção para as “categorias” de indivíduos numa hierarquização social que as formas de tratamento revelavam.

Jorge Manuel de Azevedo lembrava que apenas mulher tinha lugar no Código Civil .

As respostas dos especialistas consultados pelo jornal demonstram que reconheceram o uso “um tanto flutuante” — em outras palavras: reconheceram que havia variação. Mulher, o ponto de partida da questão, incomodava parte da opinião pública. Perdia espaço. Que colocar em seu lugar? Senhora era então a forma “eleita pelas pessoas de classe média”. Esposa era forma recusada pelos especialistas: intolerável e provinciana para Rocha Lima, hipercorreção para Houaiss, mas, segundo Gama Kury, embora etimologicamente errada, era usada por delicadeza e aplicável a pessoas “de alta categoria social” — condições para ganhar mais espaço. Ao inverter a ordem das acepções para esposa, Mansur Guérios, citado por Gama Kury, demonstrava que esposa já mudara de significado.


JORNAL DO BRASIL/DEPARTAMENTO DE PESQUISA . Senhora? Esposa? Mulher? A palavra é … Jornal do Brasil, Caderno B, p. 1. sábado, 17 de janeiro de 1970. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09&Pesq=%22dias%20%c3%bateis%22&pagfis=178942

LIMA, Patrícia Ferreira de Souza. 2006. Caderno B do Jornal do Brasil: trajetória do segundo caderno na imprensa brasileira (1960-1985). Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social. Tese de Doutorado. http://objdig.ufrj.br/34/teses/PatriciaFerreiraDeSouzaLima.pdf


O Brasil é monolíngue?

Ainda em 2020, com o ensino tornado remoto em razão da pandemia que assolava o mundo, este blogue passou a ser um instrumento para apresentar material de apoio para as minhas turmas de Linguística I-Fundamentos da Linguística, constituídas, em geral, por calouros dos cursos de Árabe, Hebraico, Japonês, Latim e Russo. Apesar do retorno ao ensino presencial em abril de 2022, o blogue continuou com essa nova função.
Ao longo deste primeiro semestre letivo de 2023 foi gratificante, como professora, acompanhar o empenho dos alunos desses cursos, reunidos todos num grande auditório na minha disciplina. O empenho materializou-se nas avaliações.
A presente postagem segue com o compartilhamento de uma pequena série de trabalhos que recebi como parte da avaliação da disciplina.
O trabalho a seguir teve como autores alunos dos diversos cursos reunidos nessa turma.

ANDRADE, Daniel Kiyoshi Hashimoto Vouzella de; COSTA,Natascha Oliveira da; DIAS, Amanda Garcia; FARIAS, Jean Luiz Mesquita de; GÓES, Mariana Macedo dos Santos; SILVA, Keylla Vittória Monteiro da. 2023. O Brasil é monolíngue? Trabalho da disciplina LEF140 / Fundamentos da Linguística. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras.


O Brasil é monolíngue?

Daniel Kiyoshi Hashimoto Vouzella de ANDRADE, Natascha Oliveira da COSTA, Amanda Garcia DIAS, Jean Luiz Mesquita de FARIAS, Mariana Macedo dos Santos GÓes, Keylla Vittória Monteiro da SILVA

1. Um país monolíngue é um país no qual apenas uma língua é falada. O Brasil não é um país monolíngue; observando a literatura, mais especificamente o  livro texto da disciplina (Rosa, 2022), pode-se perceber que existem pelo menos outros quatro grandes grupos de línguas faladas aqui no Brasil: as línguas nativas, as de imigração, as afro-brasileiras e as de sinais.

Dentro do prédio de Letras da UFRJ:

  • O curso de Letras-LIBRAS (Noite) da UFRJ possui grande quantidade de surdos (e também ouvintes) e os alunos costumam ficar próximos à lanchonete em frente ao bloco D a fim de conversar em LIBRAS no intervalo entre as aulas.
  • No prédio de Letras existe um curso de português que prepara alunos estrangeiros participantes do PEC-G (Programa Estudante-Convênio de Graduação), que são, principalmente, de origem africana — aqueles com que conversamos eram do Gabão —, para realizar o Celpe-Bras (Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros). Entre si falam sua língua nacional mas também são capazes de falar línguas nativas locais, as quais geralmente mudam a cada província. E claro, com outras pessoas e, às vezes entre si, falam português.
  • Na SIAC 2023 o trabalho O sistema de troca de turnos de fala e a medição das pausas inter-turnos em uma iteração transcultural (Lopes, 2023) tratou de diferenças comportamentais nos turnos de fala falantes de Kaxinawá (língua indígena Pano falada na região do Alto Rio Juruá, Purus e Envira entre o Peru e , no Brasil, o estado do Acre) que são bilíngues, porque também falam português .

2. A língua oficial é o idioma que os habitantes de um país precisam conhecer por ser o idioma utilizado pelas instituições do Estado em suas ações oficiais. A importância da língua oficial está no fato de ela ser o idioma utilizado nas relações entre cidadãos e o Estado e vice-versa. Os cidadãos podem falar diversas línguas, porém, na relação entre Estado e cidadão é utilizada a língua oficial. A escola é um bom exemplo dessa relação, porque o governo tem a obrigação de prestar educação à população, e o ensino público é realizado na língua oficial do Estado.

O Brasil é um exemplo, dentre muitos, de país que tem uma língua oficial. A língua portuguesa é reconhecida como língua oficial do país pela atual Constituição (Artigo 13). Outros países possuem mais de uma língua oficial. Na Bélgica o francês e o flamengo são línguas oficiais. O Paraguai reconhece o espanhol e o guaraní como línguas oficiais. Já a Suíça tem o francês, o alemão, o italiano e o romanche como línguas oficiais.

Os Estados Unidos da América é um país que não tem uma língua oficial. A Constituição americana não oficializou qualquer dos idiomas falados por seus habitantes; os estados americanos têm, no entanto, autonomia para ter seu próprio idioma oficial: no Havaí o inglês e o havaiano são reconhecidos como línguas oficiais; uma lei do estado do Novo México prevê o inglês e o espanhol como oficiais; na Califórnia o espanhol é obrigatório nos documentos do governo, e a Louisiana reconhece o inglês e o francês como línguas oficiais.

No Brasil o português é língua oficial, mas existim línguas cooficiais em alguns municípios. Existem dois principais tipos de línguas cooficiais: indígenas e de imigração. No Brasil, elas são adotadas somente em nível municipal.

As línguas indígenas cooficiais e seus respectivos municípios são (FONTE: IPOL, 2022)

  • Baniwa, Neengatu, Tukano e Ianomami em São Gabriel da Cachoeira (AM);
  • Guarani em Tacuru (MS);
  • Akwê-Xerente em Tocantínea (TO);
  • Macuxi em Bonfim (RR) e Cantá (RR);
  • Wapichana em Bonfim (RR) e Cantá (RR);
  • Mebêngôkre/Kayapó em São Felix do Xingu (PA);
  • Tenetehara/Guajajara em Barra do Corda (MA);
  • Tikuna em Santo Antônio do Içá (AM);
  • Tupi-nheengatu em Monsenhor Tabosa (CE);
  • ● Língua Terena em Miranda/MS;

As línguas cooficiais de imigração e seus respectivos municípios são (FONTE: IPOL, 2022):

  • Pomerano em Pancas (ES), Laranja da Terra (ES), Santa Maria de Jetibá (ES), Vila Pavão (ES), Canguçu (RS), Domingos Martins (ES), Itarana (ES) e Pomerode (SC).
  • Talian em Serafina Corrêa (RS), Flores da Cunha (RS), Nova Erechim (SC), Nova Roma do Sul (RS), Paraí (RS), Bento Gonçalves (RS), Fagundes Varela (RS), Antônio Prado (RS), Guabiju (RS), Camargo (RS), Caxias do Sul (RS), Ivorá (RS), Pinto Bandeira (RS), Nova Pádua (RS), Ipumirim (SC), Barão (RS), Casca (RS) e Vila Flores (RS).
  • Alemão: Pomerode (SC) e São João do Oeste (SC).
  • Plattdüütsch/ Sapato de Pau em Westfália (RS).
  • Hunsriqueano/Hunsrik em Antônio Carlos (SC), Barão (RS) e Ipumirim (SC).
  • Dialeto Trentino em Rodeio (SC).
  • Plautdietsch em Palmeira (PR).
  • Polonês em São Mateus do Sul (PR), Casca (RS), Mallet (PR), Carlos Gomes (RS) e Aurea (RS).
  • Ucraniano em Prudentópolis (PR) e Mallet (PR).

3. O desaparecimento das línguas no Brasil teve início no período de colonização, iniciada no século XVI, através da imposição de novas culturas, crenças e, consequentemente, uma nova língua declarada oficial pelos estrangeiros que subjugaram os povos nativos que já residiam aqui. Por conta desse fato histórico temos uma grande porcentagem de línguas nativas que infelizmente podem ser consideradas desaparecidas ou em risco de desaparecer.

Uma língua, para ser caracterizada como extinta, não pode ter falantes nativos vivos, nem uma comunidade que a reivindique como sua. No caso brasileiro, as línguas indígenas, minoritárias, vão perdendo gradativamente seu lugar na comunicação dentro do grupo e com isso deixam de ser transmitidas às novas gerações até que desaparecem por completo.

Das 274 línguas indígenas ainda existentes no Brasil segundo o Censo de 2010, 190 correm o risco de desaparecer.

4. Em 2018, de acordo com o Atlas Mundial das Línguas em Perigo elaborado pela UNESCO, 97 dentre as 190 línguas indígenas estão em ameaça de extinção e 12 línguas já estão extintas. Com esses números, o Brasil é o terceiro maior país com línguas em ameaça de extinção, pois conta com cerca de 90% de línguas ameaçadas de serem extintas. Algumas delas são:

  •  Mura: foi falada até o início do século XX, gradativamente substituída pelo português;
  •  Arapaso: estima-se que não é falada há mais de um século. Uma parte também foi substituída pelo Português e outra parte parte, por Nheengatu;
  • Krenyê: era falada por indígenas no Maranhão e no Pará. Atualmente foi substituída pela Tenetehara, do tronco Tupi;
  • Urupá: era falado na região da Bolívia e de Rondônia. Foram eles que nomearam o estado de Rondônia;
  • *Nheengatu: língua desenvolvida a partir do tupinambá, falada ao longo de todo o vale amazônico brasileiro até a fronteira com o Peru, na Colômbia e na Venezuela; língua geral amazônica.

Referências

IPOL/ Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística. Lista de línguas cooficiais em municípios brasileiros, outubro de 2022. http://ipol.org.br/lista-de-linguas-cooficiais-em-municipios-brasileiros/

LOPES, Gabriel Henrique Ferrarez. 2023. O sistema de troca de turnos de fala e a medição das pausas inter-turnos em uma iteração transcultural. 12a. SIAC/ Semana de Integração Acadêmica da UFRJ: Caderno de Resumos/ Centro de Letras e Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 29 de maio a 2 de junho de 20923. https://sistemas2.macae.ufrj.br/siac/cadernoController/gerarCadernoResumo/32000000

ROSA, Maria Carlota. 2022. Uma viagem com a linguística: um panorama para iniciantes. São Paulo: Pá de Palavra. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/18668


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“Língua” num mundo de migrações: a influência dos grupos migratórios na pronúncia do hebraico moderno

Ainda em 2020, com o ensino tornado remoto em razão da pandemia que assolava o mundo, este blogue passou a ser um instrumento para apresentar material de apoio para as minhas turmas de Linguística I-Fundamentos da Linguística, constituídas, em geral, por calouros dos cursos de Árabe, Hebraico, Japonês, Latim e Russo. Apesar do retorno ao ensino presencial em abril de 2022, o blogue continuou com essa nova função. Ao longo deste primeiro semestre letivo de 2023 foi gratificante, como professora, acompanhar o empenho dos alunos desses cursos, reunidos todos num grande auditório na minha disciplina. O empenho materializou-se nas avaliações. 
A presente postagem segue com o compartilhamento de uma pequena série de trabalhos que recebi como parte da avaliação da disciplina. 
O trabalho a seguir teve como autores alunos de Português-Hebraico.

BATISTA, Breno da Silva; BORGES, Fábio Lucas Rossi de Moraes; JOAQUIM FILHO, José Carlos; LIMA, Luisa Maia, SILVA, Matheus Abrahão da & VIANA, Jacob Menezes de Oliveira Montenegro. 2023. “Língua” num mundo de migrações: a influência dos grupos migratórios na pronúncia do hebraico moderno. Trabalho da disciplina LEF140 / Fundamentos da Linguística. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras.


“LÍNGUA” NUM MUNDO DE MIGRAÇÕES: A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS MIGRATÓRIOS NA PRONÚNCIA DO HEBRAICO MODERNO

Breno da Silva BATISTA

Fábio Lucas Rossi de Moraes BORGES

José Carlos JOAQUIM FILHO

Luisa Maia LIMA

Matheus Abrahão da SILVA

Jacob Menezes de Oliveira Montenegro VIANA

Museu do Povo Judeu, Tel Aviv Fonte: Wikipedia

1. Introdução

O hebraico moderno resulta de um longo processo de revitalização: deixou seu antigo estado de língua oral morta — embora o hebraico bíblico permanecesse como língua litúrgica e literária —  para passar, no século XIX,  a ser uma língua falada e tornar-se  língua oficial de Israel no século XX.

Esse processo assumiu diversas formas para os novos falantes da língua, entre elas as estratégias para a formação de novas palavras, para o que foi importante a criação do Comitê da Língua Hebraica, em 1890  (Costa, 2020: 21), de que diversos linguistas participaram — entre eles Eliezer Ben Yehuda (1858-1922), conhecido como “pai do hebraico moderno” (Costa, 2020: 17).

Muitas das palavras que começaram a ser faladas nesse começo da revitalização da língua oral eram oriundas de fontes bíblicas; no entanto significados ligados a um mundo mais moderno necessitavam de uma nova modelagem para seu uso no hebraico moderno.  O Comitê da Língua Hebraica desenvolveu os passos que deveriam ser seguidos nesse processo (Costa, 2020: 21).

Caso uma palavra não fosse encontrada nas fontes escritas, era possível, ainda com base nessas fontes, ampliar o significado de uma palavra já conhecida. Não sendo possível, procurava-se um radical hebraico de significado aproximado. A busca seguia em radicais de outras línguas semíticas — preferencialmente aramaico e árabe — que eram adaptados a um padrão hebraico (COSTA, 2020: 21). Assim Eliezer Ben Yehuda  começou a formular novas palavras e, nesse processo, foi muito influenciado pelo inglês, criando palavras como  הטיסרבינו  universita  (‘universidade’),  ויקיברב  barbikiu (‘churrasco’),  סובוטוא otobus (‘ônibus’) (Costa, 2020: 18). Outras palavras, entretanto, foram suas próprias criações : ןועש – shaon (‘relógio’), ןותיע  milon (‘dicionário’),  לייח  haial (‘soldado’) (Costa, 2020: 18).

3. Uma sociofonética dos que migraram para Israel

Quando da criação do Estado de Israel, houve migração de judeus espalhados pelo mundo para o novo país. É comum designar esses grupos pela região de onde partiram para Israel com os adjetivos ashkenazi, mizrahi/mizrachi (ou oriental), sefardita, iemenita. Esses grupos podem ser diferenciados pela pronúncia com que falam o hebraico moderno. 

NOTA DA EDITORA.  A diáspora após a destruição de Jerusalém por Vespasiano e seu filho Tito no ano 70 levou os judeus a criarem comunidades na Europa --- principalmente na Alemanha, França, Itália e Espanha ---, no norte da África e Oriente Médio. Os judeus da Europa foram chamados ashkenazis, mas não os da Espanha, chamados sefaradis ou sefarditas. Os que vieram do Oriente Médio são chamados mizrahis. 
Os judeus seriam expulsos da Espanha ainda no século XV e muitos migrariam para o Oriente Médio; daí serem mizharis. Sua influência, contudo, não chegou ao Iêmen (Ver Costa, 2023).   

De acordo com o Ethnologue, o hebraico tem como dialetos o hebraico padrão (ou hebraico europeizado) e o hebraico oriental (hebraico arabizado, hebraico iemenita).

Embora o hebraico padrão israelense seja de uma pronúncia sefardita (com influência do ladino, falado na Península Ibérica do século XV), sua fonologia é ashkenazi (i.e., de judeus oriundos da Europa). Por exemplo, o som da consoante resh no hebraico padrão atual se aproxima mais do som que a letra “r” possui no alemão, no iídiche e no francês, que do seu som no dialeto sefardita, ou de seus equivalentes nas outras línguas semíticas. Assim como o som da letra “tz” (tzadi) que no hebraico moderno possui o som duplo semelhante ao “z” do alemão, e não a pronúncia sefardita e mizrahi que é semelhante ao “çad” árabe.

Os falantes nativos de hebraico, de acordo com suas origens migratórias, podem ter uma variável sociolinguística estigmatizada socialmente em Israel, tal como o falar mizrahi de países árabes, ou uma variável sociolinguística de prestígio, como o falar dos judeus ashkenazis. É o que demonstra Costa (2023), a partir de um estudo de R. J. Gafter (2016)  quanto  à “ realização da consoante hebraica ח (het) como uma fricativa, faringal, surda [ħ] ou como uma fricativa, velar, surda [x]” e quanto à “variação da consoante ע (ayn) como uma fricativa, faringal, sonora [ʕ] ou como uma oclusiva, glotal, surda [Ø]” (Costa, 2023:  16). A pronúncia como faringais é estigmatizada e marca os mizharis, mas não os ashkenazis; no entanto,  a pronúncia  como faringais, na leitura de textos religiosos, é privilegiada por estar associada às origens históricas do hebraico, um falar mais puro e conservador, sendo, portanto, as variantes faringais percebidas como mais adequadas para contextos religiosos (Costa, 2023: 17).

A forma como os judeus falam o hebraico pode ainda mudar a partir do contexto de interação em que estão. Como o falar ashkenazi é a variedade de maior prestígio social, os falantes oriundos do Oriente Médio (mizrahis) tendem a usar as variantes mais identificadas com o falar ashkenazi quando se encontram em contextos de interação social fora de seu grupo social e que exigem maior monitoramento. Quanto aos textos religiosos, falantes do hebraico ashkenazi reconhecem que a leitura correta dos textos bíblico-religiosos é feita pelo falante do hebraico mizrahi-iemenita.

REFERÊNCIAS

COSTA, Gisele Silva da. 2023. “Faça uma prece ou leia uma notícia”: um estudo sobre o uso de faringais no hebraico. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em Linguística. Dissertação de Mestrado em Linguística.

COSTA, Gisele Silva da.  2020.Língua morta? O hebraico não. A renovação da língua e suas características.  Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras. Monografia para obtenção do título de Licenciado em Letras: Português-Hebraico. https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/14470

EBERHARD, David M.; SIMONS, Gary F. & Fennig, Charles D. (eds.). 2023. Ethnologue: Languages of the World. Twenty-sixth edition. Dallas, Texas: SIL International.  https://www.ethnologue.com/


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“Língua” num mundo de migrações: o árabe numa Palestina constantemente redesenhada

Ainda em 2020, com o ensino tornado remoto em razão da pandemia que assolava o mundo, este blogue passou a ser um instrumento para apresentar material de apoio para as minhas turmas de Linguística I-Fundamentos da Linguística, constituídas, em geral, por calouros dos cursos de Árabe, Hebraico, Japonês, Latim e Russo. Apesar do retorno ao ensino presencial em abril de 2022, o blogue continuou com essa nova função.
Ao longo deste primeiro semestre letivo de 2023 foi gratificante, como professora, acompanhar o empenho dos alunos desses cursos, reunidos todos num grande auditório na minha disciplina. O empenho materializou-se nas avaliações.
A presente postagem segue com o compartilhamento de uma pequena série de trabalhos que recebi como parte da avaliação da disciplina.
O trabalho a seguir teve como autores alunos de Português-Árabe.

BARRETO, Sofia Amaro de Azevedo Guimarães; BARROS, Tamiris Soares dos Santos; CUNHA, Leandro Madureira Lustosa da & SOUSA, Natália Beatriz Mendes de. 2023. “Língua” num mundo de migrações: o árabe numa Palestina constantemente redesenhada. Trabalho da disciplina LEF140 / Fundamentos da Linguística. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras.


“Língua” num mundo de migrações: o árabe numa Palestina constantemente redesenhada

Sofia BARRETO

Tamiris BARROS

Leandro DA CUNHA

Natalia DE SOUSA

1. Árabe: um exemplo sempre mencionado para a diglossia

A palavra diglossia refere a existência simultânea, numa única comunidade linguística, de duas variedades da mesma língua, cada uma com funções sociais distintas. No caso da língua árabe, essas duas variedades são o árabe moderno padrão (ou MSA, sigla para Modern Standard Arabic) e o coloquial ou dialetal.

O MSA tem por base a forma da língua árabe utilizada nos textos religiosos islâmicos, bem como em obras literárias e acadêmicas. É considerado uma forma prestigiosa e padronizada do idioma. Seu uso é comum em situações formais, como na mídia e discursos políticos. O árabe coloquial é a variedade oral da língua, utilizado informalmente, no cotidiano. São muitos os dialetos regionais influenciados por fatores geográficos, históricos e culturais, e diferem entre si de maneira significativa.

Aa diglossia pode variar individualmente. Alguns falantes podem ter maior fluência no MSA, enquanto outros podem preferir e utilizar mais o árabe coloquial. A preferência e o uso de cada variedade podem depender de experiências individuais, contexto social, profissional e objetivos da comunicação.

A diglossia árabe pode variar de acordo com o país ou a região. Em alguns lugares, como no Marrocos e na Tunísia, os dialetos coloquiais podem ter maior influência e uso na sociedade, enquanto em outros, como no Egito ou Arábia Saudita, o MSA é altamente valorizado e amplamente utilizado. A diglossia na língua árabe é um fenômeno complexo que reflete a rica diversidade linguística e cultural do mundo árabe. Essa coexistência entre o MSA e o árabe coloquial desempenha um papel importante na comunicação e na identidade linguística dos falantes de árabe ao redor do mundo.

Os falantes nativos de árabe adquirem primeiramente o árabe coloquial, enquanto a outra modalidade, o MSA, é adquirida no ambiente escolar. Consequentemente, a fluência no MSA vai variar de acordo com o nível de escolaridade do falante em questão. Apesar de ambas as variedades serem essencialmente a mesma língua, a aquisição da variedade formal da língua árabe exige do falante o mesmo esforço que a aquisição de uma língua estrangeira.

O nível de proficiência nas variedades do árabe dependerá da modalidade ao qual seu uso se aplica. A educação é essencial para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e, no árabe, ela é a maior responsável pela quantidade de oportunidades que um indivíduo receberá durante a vida, visto que há uma divisão social claramente estabelecida entre aqueles que dominam o árabe padrão e aqueles não o dominam. Nesse caso, a diglossia funcionará também como um agente de exclusão social nos países árabes.

2. O árabe num contexto de deslocamentos

O ambiente influencia a criança no uso da língua árabe. Se a língua é valorizada e amplamente falada na comunidade, as crianças terão maior probabilidade de adquirir e manter a língua em seu repertório linguístico; porém, se a criança está inserida  num contexto em que outra língua é dominante, como um país de língua não-árabe, pode haver uma pressão maior para adotar essa língua majoritária e diminuir o uso do árabe. Em situações de migração, as crianças podem estar expostas a diferentes influências linguísticas.

A adoção da língua do país anfitrião pode ocorrer para facilitar a integração social e educacional. No entanto, muitas vezes, as famílias procuram manter a língua árabe como forma de preservar a identidade cultural e o vínculo com suas raízes. É importante lembrar que cada situação é única, e há uma ampla gama de fatores que pode influenciar a manutenção do uso da língua árabe nas crianças. A interação entre esses fatores é complexa e pode variar, na dependência do contexto.

Quando da criação do Estado de Israel e da guerra que se seguiu, a população árabe da região se viu em novos contextos: a) deslocada dentro das fronteiras de Israel; b) deslocada na mesma região, mas fora das fronteiras de Israel; c) em campos de refugiados, em especial na Síria e no Líbano (Horesh, 2020).

Considerando as crianças do grupo (a), que foram deslocadas dentro das fronteiras de Israel após a criação do Estado de Israel em 1948 e a subsequente guerra, e do grupo (c), que se encontram em campos de refugiados, principalmente na Síria e no Líbano, existem considerações e hipóteses distintas em relação ao uso e preservação da língua árabe.

No caso das crianças deslocadas dentro das fronteiras de Israel, muitas delas passaram a ter o hebraico como segunda língua devido à necessidade de se adaptar ao novo contexto. Como resultado, os mais velhos, que já tinham o árabe como língua materna, começaram a aprender o hebraico, que se tornou a língua dominante para eles em situações formais, como na educação e na interação com instituições governamentais. Com o tempo, é possível que seus filhos, expostos predominantemente ao hebraico na escola e na vida cotidiana, acabem deixando de falar o árabe ou considerem o hebraico como sua língua principal.

Por outro lado, as crianças que vivem nos campos de refugiados, especialmente na Síria e no Líbano, enfrentam restrições de locomoção e dependem da UNRWA/Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Médio para receber educação e assistência. Nessas comunidades, o árabe geralmente é valorizado como língua e mantido como uma parte importante da identidade cultural palestina. A UNRWA geralmente fornece escolaridade nos campos de refugiados, com o ensino realizado em árabe, o que ajuda a manter a língua e a preservar a conexão com a cultura e a história dos refugiados palestinos.

É importante ressaltar que, embora essas situações sejam comuns, cada criança é única, e o processo de aquisição e manutenção da língua pode variar. Fatores individuais, como a influência do ambiente familiar, o grau de exposição à língua e as oportunidades de uso, podem desempenhar um papel significativo na continuidade do uso do árabe por essas crianças.

FONTES CONSULTADAS

GOMES, Elias M. A diglossia árabe: uma apreciação do Hassaniyya como representante da vertente baixa no binário diglóssico. . Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2010. http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_1/084-96.pdf

EBERHARD, David M.; SIMONS, Gary F. & Fennig, Charles D. (eds.). 2023. Ethnologue: Languages of the World. Twenty-sixth edition. Dallas, Texas: SIL International.  https://www.ethnologue.com/

HORESH, Uri. 2020. Palestinian dialects and identities shifting across physical and virtual borders. Multilingua, 40 (5). https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/multi-2020-0104/html?lang=en#j_multi-2020-0104_ref_044


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“Língua” num mundo de migrações: os decasséguis retornados e seus filhos

Ainda em 2020, com o ensino tornado remoto em razão da pandemia que assolava o mundo, este blogue passou a ser um instrumento para apresentar material de apoio para as minhas turmas de Linguística I-Fundamentos da Linguística, constituídas, em geral, por calouros dos cursos de Árabe, Hebraico, Japonês, Latim e Russo. Apesar do retorno ao ensino presencial em abril de 2022, o blogue continuou com essa nova função.
Ao longo deste primeiro semestre letivo de 2023 foi gratificante, como professora, acompanhar o empenho dos alunos desses cursos, reunidos todos num grande auditório na minha disciplina. O empenho materializou-se nas avaliações.
A presente postagem segue com o compartilhamento de uma pequena série de trabalhos que recebi como parte da avaliação da disciplina.
O trabalho a seguir teve como autor um aluno da UFRJ, mas de Ciências da Computação, aluno regular dessa turma da Faculdade de Letras.

ANDRADE, Daniel Kiyoshi Hashimoto Vouzella de. 2023. “Língua” num mundo de migrações: os dekasseguis retornados e seus filhos. Trabalho da disciplina LEF140 / Fundamentos da Linguística. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras.


“Língua” num mundo de migrações: os decasséguis retornados e seus filhos

Daniel Kiyoshi Hashimoto Vouzella de ANDRADE

0. Antes de tudo

A palavra dekassegui/ decasségui vem do japonês 「出稼ぎ」, usado para se referir à ação de uma pessoa sair (significado do “radical” 出) do seu local de origem, antigamente uma província ou agora um país, à procura de trabalho ou de ganhar dinheiro (significado do verbo 稼く). Hoje em dia, essa palavra, quando atribuída a uma pessoa, pode ser traduzida como ‘emigrante trabalhador’ ou ‘trabalhador nômade’. Já aqui no Brasil, um dekassegui é um brasileiro que sai do Brasil para o Japão buscando trabalhar.

Logo no prefácio do estudo de Resstel [1], o livro ressalta que as experiências dos migrantes são heterogêneas, assim como suas características, que variam desde a motivação, idade, conhecimento da língua e cultura, quem vai junto – pode-se ir sozinho, com a família inteira ou com apenas parte dela – até a legalidade da migração. Considerando essa enorme variação entre os dekasseguis, é inaceitável pensar que a situação de seus filhos seja homogênea. Por isso, não é razoável dizer o que vai acontecer, as respostas podem ser diferentes para pessoas diferentes, como no caso das filhas do sr. Ito, por exemplo. Ambas cresceram no Japão, mas, quando “retornam” ao Brasil, a caçula se adapta melhor e acaba aprendendo português, enquanto a mais velha ainda tem grandes dificuldades com a nova língua. No lugar de dizer o que vai acontecer, serão descritas algumas situações e, em seguida, o que se espera que aconteça a partir de cada uma delas.

A palavra koronia-go vem de 「コロニア語」, que é a junção de コロニア(/koronia/) — empréstimo da palavra portuguesa ‘colônia’ (observe que o mais próximo do som de /lo/, no japonês é o som de /ro/) — com o sufixo 語(nesse caso: /go/), usado para dizer a língua de um local, por exemplo em 「日本語」(/nihongo/, 日本significa Japão) ou 「ポルトガル語」(/porutogarugo/, ポルトガルsignifica Portugal). Dessa forma, koronia-go teria como tradução ‘a língua da Colônia’1. Essa língua, brevemente descrita na seção 5.9 de [2], é uma variedade do japonês com forte presença de palavras aportuguesadas, falado geralmente por nisseis e sanseis (descendentes de japoneses de segunda/terceira geração — filhos/netos) que cresceram no Brasil.

Comparativamente, o koronia-go se assemelha ao pequeno “dialeto” com que alguns jovens conversam entre si, no qual se usa o português misturado com estrangerismo vindo de jogos eletrônicos, muitas vezes incompreensível para pessoas mais velhas. São exemplos:

  • Eu não tanko ficar esse tempo todo na academia;
  • Ela givou o namorado para ficar estudando para a prova;
  • O menino só spawnou do meu lado; eu tomei um susto;
  • A: Cadê o seu amigo? B: Ele foi de base.

Mesmo existindo palavras ou expressões inteiramente do português que expressam o mesmo significado, os falantes acabam preferindo as versões alternativas por serem mais familiares. Nesses contextos, o verbo tanko poderia ser substituído por ‘aguento’ ou ‘suporto’ [3] [4]; givou por ‘abriu mão [de estar com]’; spawnou por ‘apareceu’, ‘surgiu’ ou ‘brotou’ [5] [6]; foi de base por ‘foi embora’, ‘não está mais aqui’ ou ‘está ocupado (fazendo outra coisa)’ [7] [8] [9]. Dessas gírias a mais famosa é tankar. Observa-se que elas não são compartilhadas por todos os jovens, da mesma forma que o koronia-go não é compartilhado por todos os descendentes nipônicos.

1. Português como língua materna

Considerando as crianças muito pequenas que foram para o Japão antes de aprender a falar português, podemos apontar dois casos baseados na língua em que os pais decidem se comunicar com a criança: japonês e português. O primeiro torna-se bem natural para os pais, já prevendo que seu filho vai interagir com crianças e adultos japoneses, muito provavelmente vai frequentar uma escola japonesa e assim por diante. Com essa decisão, não haveria um momento em que a criança praticaria o português; portanto ela nem aprenderia o português e, assim, o português não teria nenhuma chance de ser sua língua materna.

Mesmo que a primeira escolha possa parecer muito atraente, a segunda não é impossível: muitos dekasseguis chegam ao Japão sem dominar o japonês ou, mesmo que o dominem, podem planejar voltar para o Brasil num futuro próximo. Nessa situação, o resultado vai depender bastante de o que acontecer durante o desenvolvimento da criança. Se crescer num ambiente japonês – escolas, vizinhos e colegas falando em japonês – apenas no melhor dos casos o português vai ter características de uma língua de herança e ela teria o japonês como outra primeira língua (L1).

Também pode crescer imersa num “ambiente brasileiro”: existem comunidades e até bairros cheios de brasileiros [10] [11] [12] [13] [14] [15]. Dessa forma, dependendo da intensidade desse ambiente, a criança pode-se comportar: (a) igual ao último caso;  (b) ter o português como língua materna enquanto sabe pouco ou nada de japonês; (c) ser bilíngue, falando ambas as línguas de forma nativa; ou  (d) com uma mistura desses resultados. Como exemplos: (a) em [13] há fragmentos em que o filho compreende a mãe falando em português mas responde em japonês; (b) num outro vídeo da mesma família [16], percebe-se que o pai fala em japonês, mas em nenhum desses dois vídeos o filho falou algo em português, dando a entender que sua situação se parece mais com uma mistura do primeiro caso com o segundo num ambiente japonês.

2 Koronia-go (コロニア語) e os filhos de dekasseguis

As crianças que aparecem nas entrevistas realizadas no estudo de Resstel [1] tinham pouco ou nenhum conhecimento do português e tinham contato majoritariamente, se não exclusivamente, com falantes de japonês. No Japão, elas não tinham motivo para falar ou saber koronia-go.

Quando retornaram (ou vieram) ao Brasil, todas elas tiveram de aprender português. Lembrando que koronia-go é uma língua marcada pela mistura de palavras do português à gramática e língua japonesa, é inimaginável pensar que essas crianças conseguiriam falar essa variedade do japonês. Uma situação mais provável seria que elas, após aprenderem um pouco da língua, falassem português completando o vocabulário desconhecido com palavras já conhecidas do japonês, dado que a língua dominante delas é o japonês.

NOTAS

1“Colônia” aparece capitalizada, pois se referencia à Colônia japonesa no Brasil, diferente de uma colônia japonesa em um outro lugar.

Referências

[1] RESSTEL, C. C. F. P. Desamparo psíquico nos filhos de dekasseguis no retorno ao Brasil. São Paulo: Editora UNESP/São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015. Disponível em https://books.scielo.org/id/xky8j. Acessado em 24/06/2023.

[2] ROSA, M. C. Uma viagem com a linguística: um panorama para iniciantes. São Paulo: Pá de Palavra, 2022. Disponível em https://linguisticamcarlotarosa.wordpress.com/sobre-2. Acessado em 24/06/2023.

[3] START. O que é “tankar”? Entenda a gíria das redes sociais que veio do eSport. Disponível em https://uol.com.br/start/ultimas-noticias/2022/03/09/o-que-e-tankar-entenda-a-giria-das-redes-sociais-que-veio-do-esport.html. Acessado em 25/06/2023.

[4] Wiktionary. tankar. 2023. Disponível em https://pt.wiktionary.org/wiki/tankar. Acessado em 25/06/2023.

[5] Dicionário inFormal. Spawnar. 2022. Disponível em https://dicionarioinformal.com.br/spawnar. Acessado em 25/06/2023.

[6] Wiktionary. spawnar. 2023. Disponível em https://pt.wiktionary.org/wiki/spawnar.Acessado em 25/06/2023.

[7] cafeopoliglota. O que siginifica “foi de base”? 2020. Disponível em https://br.hinative.com/questions/17872044. Acessado em 25/06/2023.

[8] Wiktionary. ir de base. 2023. Disponível em https://pt.wiktionary.org/wiki/ir_de_base. Acessado em 25/06/2023.

[9] Dicionário inFormal. Ir de base. 2023. Disponível em https://dicionarioinformal.com.br/ir%20de%20base. Acessado em 25/06/2023.

[10] BRETAS, A. Japão: Conheça quantos, onde e como vivem os imigrantes brasileiros no outro lado do mundo. 2004. Disponível em http://verdestrigos.org/sitenovo/site/cronica_ver.asp?id=366. Acessado em 24/06/2023.

[11] HIRO. Escolas brasileiras no Japão. 2022. Disponível em https://whatsjap.com/escolas-brasileiras-no-japao. Acessado em 24/06/2023.

[12] KAWANAMI, S. Conheça as 10 regiões mais “brasileiras” do Japão. 2015. Disponível em https://japaoemfoco.com/conheca-as-10-regioes-mais-brasileiras-do-japao. Acessado em 24/06/2023.
[13] SANTANA, C. Japão – Nagoya – Como é meu bairro no Japão? 2022. Disponível em https://youtu.be/OW614EdrQI0. Acessado em 24/06/2023.

[14] FERREIRA, F. Bairro de brasileiros no Japão! 2020. Disponível em https://youtu.be/HpPFTZUBXC8. Acessado em 24/06/2023.

[15] BBC News Brasil. Conheca a ‘cidade brasileira’ no Japão. 2015. Disponível em https://youtu.be/dhoHpjp5720. Acessado em 24/06/2023.

[16] SANTANA, C. O melhor lamen do Japão. 2023. Disponível em https://youtu.be/Qdix90WKe6A. Acessado em 24/06/2023.


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“Língua” num mundo de migrações: a “Colônia dos Russos” (Ponta Grossa, PR)

Ainda em 2020, com o ensino tornado remoto em razão da pandemia que assolava o mundo, este blogue passou a ser um instrumento para apresentar material de apoio para as minhas turmas de Linguística I-Fundamentos da Linguística, constituídas, em geral, por calouros dos cursos de Árabe, Hebraico, Japonês, Latim e Russo. Apesar do retorno ao ensino presencial em abril de 2022, o blogue continuou com essa nova função.
Ao longo deste primeiro semestre letivo de 2023 foi gratificante, como professora, acompanhar o empenho dos alunos desses cursos, reunidos todos num grande auditório na minha disciplina. O empenho materializou-se nas avaliações.
A presente postagem inicia o compartilhamento de uma pequena série de trabalhos que recebi como parte da avaliação da disciplina.
Este primeiro trabalho reuniu alunos de Português-Russo.

BARROS, Tássia Soares dos Santos; FERREIRA, Priscilane Rocha; LOPES, Luís Felipe da Silva; NASCIMENTO, Liliane Misael da Silva do; OLIVEIRA, João Pedro Luz; PAULA, Luciana de & STILPEN, Pedro Henrique Lopes. 2023. “Língua” num mundo de migrações: a “Colônia dos Russos” (Ponta Grossa, PR). Trabalho da disciplina LEF140 / Fundamentos da Linguística. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras.


“Língua” num mundo de migrações: a “Colônia dos Russos” (Ponta Grossa, PR)

Tássia BARROS

Priscilane FERREIRA

Luís Felipe LOPES

Liliane NASCIMENTO

João Pedro OLIVEIRA

Luciana de PAULA

Pedro Henrique STILPEN

1. Introdução

Ao longo de sua história, o Brasil tem sido um país acolhedor para emigrantes e refugiados de diversas origens. Na década de 1950 houve um grande fluxo  de russos emigrando para o Brasil como refugiados e deslocados. Muitos desses russos já haviam se estabelecido na China após a Revolução Russa de 1917, mas foram forçados a deixar a China no final dos anos 1950. Um grupo de russos estabeleceu em Ponta Grossa, no Paraná, a Colônia Santa Cruz como seu novo lar. A Colônia atraiu a atenção da mídia e é conhecida como a “Colônia dos Russos”, como indica uma placa no local. A história mostra a diversidade cultural  do Brasil, que contribui para uma sociedade multicultural e mostra a generosidade em acolher e reassentar emigrantes.

2. A “Colonia dos Russos

Os russos que emigraram para a China após a Revolução de 1917 foram obrigados a emigrar novamente no final da década de 1950, alguns retornando à então URSS/União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e outros migrando para a América do Sul ou Austrália. Nesse movimento, em 1958 surgiu a “Colônia dos Russos” em Ponta Grossa, no Paraná. Nessa comunidade, os descendentes de russos preservam a cultura russa.

As crianças aprendem russo com os pais e colegas da comunidade, só tendo contato com o português quando começam os estudos nas escolas brasileiras.

Todos seguem o catolicismo ortodoxo, com regras como, por exemplo, não poder comer com alguém fora da sua religião nem usar os utensílios domésticos dessas pessoas. Também seguem o calendário juliano, que é marcado por um atraso de 13 dias em comparação ao gregoriano. Por isso, não comemoram o Natal dia 25 de dezembro e sim a 7 de janeiro. A contagem dos anos segue a tradição bizantina, o que, em 2023 pelo calendário gregoriano, os coloca em 7531 .É proibido o uso de televisão.

É de costume costurarem seus trajes. As mulheres usam vestidos longos e os homens, camisas brancas, calças compridas e sempre um cinto para separar a parte pura da impura de seu corpo. Se uma mulher for casada, precisa de usar um lenço que cubra o cabelo ao sair de casa; se solteira (até as mais jovens, crianças) faz a trança e nunca deixa os cabelos soltos. Os homens usam longas barbas .

2.1. Russo e português: o desenvolvimento de ambas as línguas pelas crianças da Colônia

O desenvolvimento das duas línguas, russo e português, não é simultâneo entre crianças dessa comunidade. A língua materna é o russo falado nessa comunidade, ao qual a criança está exposta na quase totalidade do tempo desde o nascimento, considerando que os pais falam essa língua com ela.

A primeira língua é aquela que se aprende primeiro; L1 é uma forma abreviada de referi-la. É na convivência em casa, com a família, e na comunidade que ela recebe, como herança,  a variedade da língua russa ali falada. E será assim até sua ida para a escola, onde aprende o português e intensifica sua convivência com a comunidade escolar, falante de português. Se ouvia apenas em raros momentos alguns falantes de português, é a partir do ingresso na escola que irá intensificar sua exposição ao português e daí a um tempo espera-se que seja falante dessa língua também.

Se existe a L1, então pode-se esperar a presença de mais uma língua. A segunda língua, L2, é aquela aprendida depois da primeira, a L1. Neste caso, a L2 para essa criança será o português, pois a comunidade russa está encravada no Brasil, onde a língua oficial (e nacional) é o português.

2.2 Para aqueles que vivem na Colônia, que língua é usada na maior parte do dia?

Na maior parte do dia, a língua usada é a variante do russo lá falado. Vale destacar que o russo dessa comunidade já apresenta marcas que o diferenciam do russo dos outros países falantes de russo, ou mesmo da época em que a comunidade começou a ser constituída. A língua está em constante movimento e construção, por mais que se acredite estar isolado e fiel a certos hábitos e costumes (ou seja, à cultura) eles também se modificam.

A transformação da língua russa, que é a mais falada pelos habitantes da Colônia Santa Cruz, vai acontecendo, dependendo da necessidade de as pessoas contatarem os falantes de português pela região, por questão da própria sobrevivência. Por mais que se tente preservar a língua russa nessa comunidade, as necessidades de educação e trabalho vão nortear o uso da língua, ora russo, ora português.

3 Conclusão

A chegada de russos refugiados e deslocados ao Brasil, especialmente na década de 1950, é um exemplo do papel do país como um refúgio acolhedor para pessoas que fogem de conflitos e perseguições. O estabelecimento da Colônia Santa Cruz em Ponta Grossa reflete a adaptabilidade e resiliência dos emigrantes que encontraram um novo lar no Brasil. A presença da Colônia Santa Cruz é mais do que  uma placa com o nome da colônia: ela nos lembra o poder da solidariedade e  empatia humana, oferecendo a chance de começar uma nova vida.

Fontes consultadas


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Atrito linguístico

Um artigo de Renata Malkes na Deutsche Welle (DW) em 2015 perguntava sobre a possibilidade de alguém poder esquecer a própria língua, sua L1. Em outras palavras: se era possível um indivíduo perder a fluência na língua nativa na medida em que se tornava fluente em outra língua, a L2. O artigo ilustrava o tema com o relato de uma emigrante brasileira na Alemanha:

Há dez anos, Luciana Rangel trocou o Rio de Janeiro por Berlim. Foi na capital alemã que a carioca, de 41 anos, se casou e teve dois filhos. Mas, mesmo sendo uma leitora voraz de revistas, livros e jornais brasileiros, às vezes, detalhes do idioma pátrio lhe escapam. No trabalho, como produtora da TV russa Ruptly, ela fala inglês e alemão. Termos técnicos de TV vêm à cabeça somente nessas línguas – nada em português. Em casa, com o marido e os filhos, Arthur, de 4 anos, e Victor, de 8, tudo se mistura. Afinal, a experiência da maternidade aconteceu na Alemanha.Coisas ligadas a bebês ou à escola vêm em alemão. Tem dias que não falo nada de português. Não é que você esqueça, mas com certeza perde a fluência. A gente perde o vocabulário, e as novas experiências são registradas com o vocabulário do idioma local. Quando encontro alguém desconhecido e quero empregar um bom português, às vezes, fica difícil. Como estou acostumada a falar com brasileiros que dominam o alemão, acabo colocando muitas palavras em alemão no meio da conversa”, diz Luciana.” (Malkes, 2015)

Essa situação é conhecida como atrito linguístico: a língua nativa deixa de ser a língua empregada cotidianamente pelo indivíduo porque ele se mudou de sua terra natal para um lugar onde precisará de outra língua, ou — como notou Marcus Maia (professor do Departamento de Linguística e Filologia da UFRJ), entrevistado na mesma matéria da DW — “[à]s vezes, você tem um imigrante que não deseja mais usar seu idioma materno quando emigra, se afasta [….] depende de quanto o indivíduo tem de preconceito quanto à própria língua, de aspectos motivacionais”.

Referências

MALKES, Renata. 2015. É possível esquecer a própria língua? Deutsche Welle, 14/12/2015. https://www.dw.com/pt-br/%C3%A9-poss%C3%ADvel-esquecer-a-pr%C3%B3pria-l%C3%ADngua/a-18916638


Sobre línguas de herança

Maria Carlota Rosa – UFRJ – Linguística I/ Linguagem e língua – 2023-1

Imagem: Dois marcos na imigração para o Brasil. À esquerda, o navio Kasato Maru, que, ao aportar em Santos em 1908, iniciava a imigração japonesa para o Brasil. À direita o North King, marco na imigração portuguesa para o Brasil no pós-guerra até 1956.  

Uma língua de herança é uma língua minoritária aprendida com a família, numa comunidade em que outra língua é majoritária. Esse bilinguismo de certo modo restrito é uma situação que afeta imigrantes e refugiados, mas pode ocorrer também dentro das fronteiras de um país multilíngue em que essa não é língua majoritária.

A proficiência do falante de herança (FH) pode variar muito, porque a exposição intensa à língua da família, comum nos primeiros anos de vida, pode decrescer à medida em que a inserção no novo meio se intensifica; assim, um FH pode ir da fluência na fala e na escrita à compreensão de apenas algumas palavras.

O FH é, por conseguinte:

Quando se focaliza a situação linguística de imigrantes no que respeita à chegada ao novo ambiente, os que imigraram já maiores de 18 anos são considerados a primeira geração (Montrul, 2016: 23). Eles são nativos fluentes na língua falada na região de onde provêem, sua L1. Quanto à L2 — a língua majoritária do lugar para onde se mudaram — há variação de situações: por exemplo, a L2 pode começar a ser aprendida apenas após a mudança.

Os filhos pequenos desses imigrantes — sejam eles próprios imigrantes ou já nascidos no novo meio linguístico — são a segunda geração. São falantes de herança da língua dos pais e acabam por viver num contexto bilíngue tão logo começam a ter contato fora do núcleo familiar. Se a exposição à língua majoritária ganha mais e mais espaço, esta se torna a língua dominante; o domínio da língua de herança será, então, variável.

A seguir, três exemplos de falantes de herança extraídos de Quadros (2017: 17-19).

  1. Uma família colombiana — os pais, um filho recém-nascido e um filho de 3 anos — vêm para Florianópolis. Todos falam espanhol em casa. Quando a criança mais velha entra na escola, começa a desenvolver o português. De início o menino mais velho ainda mantém o espanhol na interação com os pais e com o irmão caçula. Esta situação se altera quando o irmão mais novo também entra na escola: as duas crianças passam a falar entre si em português, mas não com os pais; pouco a pouco, porém, começam a responder aos pais em português até passarem a usar apenas o português.
  2. Uma família argentina se muda para Florianópolis, mas para um bairro com muitos argentinos. As crianças falam espanhol com os amigos cujas famílias também vieram da Argentina e português nas demais interações. Tornam-se fluentes em espanhol e em português.
  3. Uma família brasileira, no Brasil — pais surdos e duas filhas ouvintes . Em casa, com os pais, as meninas usam a libras, sua língua de herança, mas a fluência de ambas nessa língua não é equiparada. A mais velha não é fluente em libras porque cresceu entre a casa dos avós, ouvintes e monolíngues em português, e dos pais; ela se envergonha de empregar libras em público. A filha caçula cresceu com os pais, sem tanto contato com os avós: é fluente em libras e em português.

A terceira geração pode já ser monolíngue na língua majoritária. Para se considerar que ainda tem uma língua de herança será necessário que essa terceira geração ainda tenha algum conhecimento da língua dos avós (Montrul, 2016: 24).

Quando a primeira geração retorna com os filhos ao país de origem

Há também famílias que emigram para outro país e retornam a seu país de origem depois de uns poucos anos. Seus filhos podem ter nascido no país anfitrião, aprendido a língua majoritária, se identificar com ela e ter frequentado a escola por alguns anos. Durante a permanência no país anfitrião, a língua da família é a língua de herança da criança, e a língua majoritária da sociedade é a L2 adquirida na comunidade. Quando essas famílias retornam a seus países, essas crianças — agora rotuladas como retornados — podem ser dominantes na língua do país até então anfitrião e podem ter um pouco de domínio da língua de herança. Sua volta, contudo, assinala uma reviravolta no status sociopolítico e funcional das línguas: aquela que costumava ser a língua de herança agora se torna a língua majoritária e a L2 aprendida no país anfitrião, ainda que não seja a língua primária dos pais, poderia ser considerada a língua de herança da criança no novo ambiente. Seria considerada uma língua de herança porque, além de possuir alto domínio da língua, a criança ainda possui uma ligação com a língua e a cultura que fizeram parte de sua formação e socialização.” (Montrul, 2016: 36)

Resstel (2015) estudou um grupo de dekasseguis —- denominação que, no Brasil, designa os descendentes de japoneses que emigraram do Brasil para o Japão — mas os estuda no retorno ao Brasil no período que se segue à crise financeira mundial de 2008. O foco primário de Resstel está nos filhos desses retornados, que não tiveram contato com o português enquanto moravam no Japão. As entrevistas demonstram o sofrimento desses já adolescentes, embora as soluções dos pais não fosse a mesma. Um exemplo:

Quando chegaram ao território brasileiro, a atitude dos pais foi de tirar tudo que se referisse e representasse o Japão de Eiko e Letícia, como filmes, mangás e a língua japonesa. Exigiram que elas usassem somente o português para se comunicar dentro de casa. Os pais disseram que não adiantou nada ter tomado esse tipo de atitude com as filhas. As crianças constantemente choravam diante das dificuldades em aprender a nova língua” (Resstel, 2015: 116).

Os exemplos demonstram que a variação no nível de fluência alcançado é grande e pode afetar até mesmo irmãos na mesma casa.

Referências

BBC News Brasil. Crise financeira: um colapso que ameaçou o capitalismo. 10/10/2021. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55966588

MONTRUL, Silvina. 2016. The acquisition of heritage languages. Cambridge: Cambridge University Press.

QUADROS, Ronice Müller de. 2017. Língua de herança: língua brasileira de sinais. Porto Alegre: Penso.

RESSTEL, Cizina Célia Fernandes Pereira. 2015. Desamparo psíquico nos filhos de dekasseguis no retorno ao Brasil [online]. São Paulo: Editora UNESP/ São Paulo: Cultura Acadêmica. https://books.scielo.org/id/xky8j

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A perda da diversidade linguística -2

Maria Carlota Rosa – UFRJ – Linguística I/ Linguagem e língua – 2023-1

A Wikipedia mantém uma página com o título “List of languages by time of extinction“. Organizada em colunas, a página informa a data do desaparecimento, o nome da língua, a que família linguística pertencia, a região em que era falada e, por fim, o último falante. As notas junto aos nomes desses falantes terminais remetem a obituários na imprensa — e a data da morte de cada um desses indivíduos é tomada como a data de desaparecimento da língua de que o falecido era o último falante.

Quando uma língua deixa de ter falantes nativos, podemos considerá-la morta, extinta, dormente, adormecida. Embora essas adjetivações sejam, em princípio, sinônimas, as duas últimas (dormente e adormecida) levam em conta a existência de condições para que possam voltar a ser faladas — o que será possível apenas se a língua desaparecida tiver sido documentada.

Dissemos que “em princípio” eram classificações equivalentes; há autores que diferenciam dormente de extinta, atribuindo a cada uma dessas classificações um grau diferente de vitalidade (ou de terminalidade). A revisão do EGIDS (Lewis, Simons & Fennig, 2014) coloca dormente no nível 9: “A língua serve de lembrança de uma herança identitária para uma comunidade étnica, mas ninguém tem mais que uma proficiência simbólica“. Por sua vez, esses autores atribuem o nível 10 a extinta : “A língua nem é mais empregada nem há quem a associe com uma identidade étnica” (Lewis & Simons, 2015: 106).

Referências

LEWIS, M. Paul & SIMONS, Gary F. 2015. Sustaining Language Use: Perspectives on Community-Based Language Development. [s. l.]: SIL International.

WIKIPEDIA. List of languages by time of extinction. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_languages_by_time_of_extinction

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A perda da diversidade linguística -1

Maria Carlota Rosa – UFRJ – Linguística I/ Linguagem e língua – 2023-1

Uma língua está em risco quando as crianças não a aprendem mais como primeira língua (Austin & Sallabank, 2011: 1). Essa é uma situação comum em regiões multilíngues: os falantes falam duas ou mais línguas, mas uma delas é dominante — o que faz com que esta cada vez seja usada em mais contextos. As outras vão perdendo espaço.

No início da década de 1990 um linguista chamava a atenção para a quantidade de línguas que estavam desaparecendo. Era Michael Krauss (1934-2019). Convidado por Ken Hale (1934-2001) para participar de um painel sobre línguas em risco no encontro anual da Linguistic Society of America (LSA) de 1991 (Krauss, 2018), Krauss estimou então que em 2100 o número de línguas que não estariam extintas ou quase equivaleria a apenas 10% do número de então — e o Ethnologue de 1992 informava haver 6.528 línguas vivas no mundo (Grimes, 1992: 930). O texto de Krauss seria publicado no ano seguinte no periódico da LSA com o título “The World’s Languages in Crisis” [‘As línguas do mundo em crise’]. Nele, Krauss previa que, “na velocidade em que as coisas estão indo — o próximo século [séc. XXI — MCR] verá a morte ou a extinção de 90% das línguas da humanidade” (Krauss, 1992: 7). Se era uma crise, ações urgentes tinham de ser tomadas.

Naquele mesmo ano de 1991 uma outra obra marcaria o tema das línguas em risco: Joshua A. Fishman (1926-2015) propunha uma escala para medir a vitalidade de uma língua. Surgia a Graded Intergenerational Disruption Scale, ou GIDS, uma escala de oito graus que reconhecia na transmissão de uma língua entre gerações o fator preponderante para a vitalidade de uma língua.

Outras escalas surgiriam, demonstrando que o tema passava a fazer parte, de fato, das preocupações da linguística: a da UNESCO (2003), a Expanded GIDS, ou EGIDS (Lewis & Simons, 2010), revisada posteriormente (Lewis, Simons & Fenning, 2014), o Catalogue of Endangered Languages/ELCat (https://www.endangeredlanguages.com/), apresentado ao público em 2012.

Referências

AUSTIN, Peter K. &SALLABANK, Julia (eds.). 2011. The Cambridge Handbook of Endangered Languages. Cambridge: Cambridge University Press.

FISHMAN, Joshua A. Reversing Language Shift : Theoretical and Empirical Foundations of Assistance to Threatened Languages. Clevedon /Philadelphia/ Adelaide: Multilingual Matters.

GRIMES, Barbara F. (ed.). 1992. Ethnologue: Languages of the world [Twelfth edition]. Dallas: Summer Institute of Linguistics.

KRAUSS, Michael. 1992. The World’s Languages in Crisis. Language, 68 (1): 4-10.

KRAUSS, Michael. 2018. Foreword. In: REHG, Kenneth L. & CAMPBELL, Lyle (eds.). 2018. The Oxford Handbook of Endangered Languages. New York: Oxford University Press. p. ix-xiii.

UNESCO. 2003. Vitalidad y peligro de desaparición de las lenguas. International Expert Meeting on the UNESCO Programme Safeguarding of Endangered Languages, Paris, 2003. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000183699_spa



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“Que língua você fala?”

Imagem: Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju

Maria Carlota Rosa – UFRJ – Linguística I/ Linguagem e língua – 2023-1

Foi pela leitura da tese de Luciano Monteiro Modernismo como política de língua: o Congresso da Língua Nacional Cantada (1937) — defendida na UFF em 2021 e ganhadora do Prêmio CAPES de Teses em 2022 na área da Linguística e Literatura — que tomei contato com um artigo de George W. Grace, publicado três décadas atrás. Apresento a seguir, na tradução do próprio Monteiro (2021: 16), o trecho que me fez procurar esse artigo:

Uma das coisas que achei intrigantes foi que, em algumas áreas, as pessoas pareciam não ter nenhuma noção do que seja uma língua e nenhum sentido de pertencimento a uma comunidade linguística. Outros ocidentais que estiveram na Melanésia naquela época relataram experiências semelhantes e reações similares.
Se eu perguntasse a esses melanésios o nome de sua língua, eles não teriam uma resposta em mente. Se pressionados, talvez tivessem dado o nome de sua aldeia. Tive a impressão de que eles não se identificavam com nenhuma comunidade que se estende para além da aldeia. Se eu tentasse levar o assunto adiante, descobrindo qual das outras aldeias nas proximidades tinham a mesma língua, eles pareciam no geral ter dúvidas a respeito.”
(Grace, 1992: 122)

O texto de Grace me fez lembrar da pergunta que constava do Recenseamento Geral de 1950, comentada em outro trabalho, esse de Altenhofen (2013). O quesito 13 inquiria o recenseado sobre “Que língua fala habitualmente no lar com as pessoas da família?“, questão que fora apresentada com pouca diferença no recenseamento anterior, o de 1940 (“19. Que língua fala habitualmente no lar?“)

Então, para o falante uma pergunta sobre sua língua pode ser de difícil compreensão ?

As dificuldades podem derivar de aspectos diversos, um deles, a formulação da própria pergunta. No Brasil, um dos quesitos incluído no Censo de 1940 — em princípio relativamente simples (“O recenseado fala correntemente o português?”) —, gerou problemas. Na publicação dos resultados do Censo de 1940, o IBGE indicava “certa precariedade nas respostas dadas” a esse quesito, porque se confundiu “a condição de falar, ou não, correntemente o Português, com a de falar, ou não, corretamente essa língua“; disso resultou que crianças menores de cinco anos foram consideradas por muitos dos entrevistados como não falantes de português por não falarem de forma “desembaraçada” (IBGE, 1950: xxiii).

Fig. 1 IBGE. Censo 1940. Detalhe do “Boletim de Família

A dificuldade levantada por Grace é de outro tipo, porque a incapacidade em responder parecia repousar no fato de o linguista e o entrevistado terem pressupostos diferentes. Para Grace (1992: 123), enquanto linguista em trabalho de campo, ele pretendia mostrar “a língua desse povo como um território no mapa — o território no qual ela era a língua [….] O que realmente seria inserido no mapa seriam os limites entre o território em que X era a língua e aqueles territórios adjacentes em que Y, ou Z, ou outra, era a língua.” Em outras palavras, o pressuposto de um ambiente monolíngue — o que não era o caso daquela região da pesquisa. Para os entrevistados, porém, vivendo numa área multilíngue, “nem sempre é possível especificar para determinados eventos de fala exatamente que língua estava sendo empregada.”

E Grace (1992: 123-124) completa: “Assim, em vez de a população de uma área ser nitidamente dividida em falantes de X e falantes de Y, poderíamos descobrir que muitos são capazes de falar X e de falar Y e, além disso, de desempenhos verbais que se assemelham parcialmente a ambos, mas não pertencem totalmente a nenhum dos dois. Ou podemos encontrar uma situação tão desfocada que não haveria base não arbitrária para estabelecer o número exato de sistemas (ou seja, de línguas ou dialetos) em uso.”

Referências

ALTENHOFEN, Cléo V. 2013. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, Christine; SILVA, Kleber Aparecido da; TILIO, Rogerio; ROCHA, Claudia Hilsdorf (orgs). 2013. Política e políticas linguísticas. Campinas: Pontes. pp. 93-116.

GRACE, George W. 1992. How Do Languages Change? (More on “Aberrant” Languages). Oceanic Linguistics, 31(1): 115-130 (Summer, 1992). http://www.jstor.org/stable/3622968?origin=JSTOR-pdf

IBGE/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 1950. Recenseamento Geral do Brasil [1º de Setembro de 1940), Série Nacional,Volume II: Censo Demográfico. População e Habitação. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/65/cd_1940_v2_br.pdf

IBGE/ Conselho Nacional de Estatística. 1950. Recenseamento geral do Brasil – 1950 . Censo demográfico : 1.° de julho de 1950 : boletim individual. https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?id=51112&view=detalhes

IBGE/ Conselho Nacional de Estatística/ Serviço Nacional de Recenseamento. 1956. Brasil: Série Nacional, volume 1: Censo demográfico 1950. Rio de Janeiro: [IBGE]. https://biblioteca.ibge.gov.br/?id=767&view=detalhes

MONTEIRO, Luciano. 2021. Modernismo como política de língua : o Congresso da Língua Nacional Cantada (1937). Niterói: Universidade Federal Fluminense/Instituto de Letras/ Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem).    https://app.uff.br/riuff/bitstream/handle/1/24834/Tese%20-%20Modernismo%20como%20pol%c3%adtica%20de%20l%c3%adngua%20-%20Luciano%20Monteiro%20%28vers%c3%a3o%20corrigida%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y    


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Sobre o conceito de dialeto quando tratamos da Grécia antiga

Maria Carlota Rosa – UFRJ – Linguística I/ Linguagem e língua + Breve história da linguística – 2023-1

Em linguística, “o termo dialeto significa uma variedade de uma determinada língua e, por conseguinte, uma língua pode ser compreendida como um conjunto de dialetos” (Rosa, 2022: 127). Quando focalizamos a Grécia antiga, de onde, em última análise, herdamos o português dialeto (gr. diálektos), estamos autorizados a dizer que o ático, por exemplo, era um dialeto de uma língua grega padrão?

Anna Morpurgo Davies (1937-2014), num texto de 1987, republicado em 2002, discute o significado de dialeto. Seu ponto de partida são os fatores não linguísticos que acabam por entrar na caracterização de conceitos como dialeto e língua (ver Língua e dialeto ). E quando o tema são os dialetos gregos no material referente aos séculos VIII ao III a.C.? Eles são dialetos de uma língua? De que língua?

O sentimento de que para os gregos havia uma mesma língua grega, não obstante tantas diferenças, foi afirmado por Antoine Meillet (1930: 75):

“Pour autant qu’on puisse s’en rendre compte avec les faits qu’on possède, les parlers grecs du Ve siècle av. J.-C. étaient bien différents les uns des autres. La graphie, qui est à peu près la même partout, dissimule beaucoup de différences de détail de la prononciation. La littérature, déjà répandue, tendait à unifier les tours de phrases et le vocabulaire. Néanmoins les inscriptions rédigées dans les parlers locaux, surtout les plus anciennes, offrent entre elles de fortes divergences : il devait être malaisé à des Hellènes appartenant à des cités différentes et parlant des dialectes différents, sinon de se comprendre en gros, du moins de s’entendre précisément. Mais les divergences n’étaient pas telles que les Hellènes aient jamais perdu le sentiment de parler une même langue. Au point de vue linguistique, le sens de I’unité hellénique n’a jamais disparu.”

[‘Tanto quanto se pode perceber com os fatos que se tem, os dialetos gregos do século V a.C. estavam bem diferentes uns dos outros. A grafia, que é quase a mesma em todos os lugares, dissimula muito das diferenças de detalhe da pronúncia. A literatura, já difundida, tendia a unificar os contornos das frases e o vocabulário. No entanto, as inscrições em falares locais, especialmente os mais antigos, mostram fortes diferenças entre eles: deve ter sido difícil para helenos pertencentes a cidades diferentes e falando dialetos diferentes, de se entenderem aproximadamente, e menos ainda com precisão. Mas as diferenças não eram tais que os helenos houvessem perdido o sentimento de falar a mesma língua. Do ponto de vista linguístico, a sensação da unidade helênica nunca desapareceu‘. – MCR]

Antes do período helenístico a escrita num dialeto estava mais relacionada ao gênero que à origem do autor: a poesia épica surgia em jônico; a poesia lírica (mas não a prosa), em eólico; a tragédia em ático (mas não no tocante ao coro, que se expressaria em dórico). Como notou Horta (1970: 56),

“o dialeto empregado numa obra não depende da região de onde é originário seu autor, mas sim do conteúdo das publicações, passando a caracterizar-lhes o gênero. [….] não nos surpreende, portanto, que autores como Hesíodo, por exemplo, nascido em Halicarnasso, mas vivendo na Beócia, se utilize da língua homérica, cujo dialeto fundamental é o jônico, nem que o poeta elegíaco Teógnis, natural de Mégara, em pleno domínio dórico, tenha respeitado a tradição escrevendo seus poemas em dialeto jônico, ao passo que Píndaro, nascido em Tebas na Beócia, tenha escrito seus maravilhosos epinícios, na mescla dialetal saturada de dorismos que é característica do lirismo coral na Grécia”.

Para Davies ([1987]2002: 157-158) a mudança de dialeto literário, quer na escrita, quer na recitação, deve ter contribuído para o sentimento de uma relação entre gregos que deixava de fora os não-gregos. Mas e na fala?

“Os sofistas sempre falavam em ático quando em Atenas? Os interlocutores de Sócrates sempre mudavam para o ático [….] no curso das discussões, mesmo se fossem, por exemplo, da Beócia?” (Davies, [1987] 2002: 158). Davies defende, tomando por base as comédias, que, sendo os dialetos mutuamente inteligíveis, seriam poucas as situações em que cada interlocutor mudava de variedade. E conclui:

“Não há evidência, antes do período helenístico, de uma língua padrão em uso na Grécia quer na literatura, quer na comunicação. Por outro lado, há evidências de um complexo padrão de mudança de dialeto (ao menos para fins literários) e de um conhecimento passivo extenso de diferentes dialetos. As formas linguísticas usadas diferem extensivamente de região para região, mas os padrões de uso e compreensão criam relações entre os diferentes dialetos e contribuem para delimitá-los como uma unidade que pode ser contrastada com as línguas não gregas”. (Davies, [1987] 2002: 161).

A partir do século V a.C. essa unidade está evidenciada no verbo hellenizein, ‘falar grego’. Quem fala grego tem uma língua; quem não fala grego, não; para estes havia um outro verbo: barbarizein.

“Em resumo: em algum momento, certamente bem antes do século V, os habitantes da Grécia [….] começaram a sentir que falavam e escreviam grego. Como tal, contudo, o grego não existia” (Davies, [1987] 2002: 168). Afinal, antes da koiné do período helenístico não havia uma língua comum.

Referências

DAVIES, Anna Morpurgo. 1987. The Greek notion of dialect. Verbum, 10: 7-28.

DAVIES, Anna Morpurgo. 1987. The Greek notion of dialect. In: HARRISON, Thomas (ed.). 2002. Greeks and Barbarians. Edinburgh: Edinburgh University Press. pp. 153-17.

HORTA, Guida Nedda Barata Parreiras. 1970. Os gregos e seu idioma: manual prático de Língua Grega Clássica e de
Cultura Helênica para uso dos Cursos Universitários de Letras
. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica.

MEILLET, Antoine. 1930. Aperçu d’une histoire de la langue grecque. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

ROSA, Maria Carlota. 2022. Uma viagem com a linguística: um panorama para iniciantes. São Paulo: Pá de Palavra.



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